terça-feira, agosto 24, 2004

O Lobo da Floresta Negra


«Como esta conversa por silêncios, gestos e piscar de olhos não tinha dado resultado, Heidegger propôs-nos uma caminhada a pé sobre a neve, até ao seu chalé de Todtnauberg.
Fazia quase noite (era Dezembro), quando chegámos, sem ter rompido a essência do silêncio dum campo de neve, e Heidegger parou num ponto deste campo. E disse em francês:”Vós ides ver a minha cabana.” Não se via nada. Nenhum chalé, nenhuma árvore; nada, salvo a neve e a noite. E eu dizia para mim vagamente que esta noite e esta neve eram os símbolos do que ele tinha tentado exprimir obscuramente na sua obra O Ser e o Tempo («Sein und Zeigt»).
Então, Heidegger pegou numa pá. E obstinadamente, lentamente, pazada por pazada, pancada por pancada, ele libertou uma chaminé que emergiu da neve, depois o telhado da casota, enfim a porta e a soleira. Conservando sempre a pá na mão, disse-me que o que acabava de fazer perante os meus olhos era o símbolo do seu trabalho em filosofia. »

- Jean Guitton, “Un siècle, une Vie”

Tenho que reconhecer que é uma das melhores e mais genuínas descrições da filosofia de Heidegger que alguma vez li. E se vós, caros leitores, me perguntardes “quem é esse gajo? Para que nos interessa isso?”, eu respondo-vos: “E vós, quem sois vós? E para que me interessa isso?!...”

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