terça-feira, dezembro 28, 2004

A Denúncia da Usura

O Que é um Banco?
-Uma instituição de malefício público que se locupleta de vender às pessoas o seu (delas) próprio tempo e o seu (delas) próprio dinheiro.

Já devem ter percebido: é da usura que vos vou falar.
Diz o Código Civil, no seu artº282 (Negócios usurários): «1. É anulável, por escusa, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrém, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados

A usura é crime. E o Código penal, no seu artº.226, estipula-o:
«1. Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial, para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência, ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência deste, fizer com que ele se obrigue a conceder ou prometa, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada com a contraprestação é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 120 dias. (...)
4. – O agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias se
Fizer da usura modo de vida;
Dissimular a vantagem pecuniária ilegítima exigindo letra ou simulando contrato; ou
Provocar conscientemente, por meio da usura, a ruína patrimonial da vítima.»

Os factos:
A. Dos bancos:
Os bancos fazem da usura modo de vida;
Simulam contratos e exigem letras;
Provocam, fria e dolosamente, a ruína patrimonial das vítimas;

B. Das Vítimas dos Bancos:
1. Padecem de situação de necessidade (em grande parte dos casos, são jovens casais que doutra forma não conseguiriam acesso à habitação –direito consignado na Constituição); além disso, são desde tenra idade endrominados com a ideia de que o supérfluo é necessário. Ou melhor: tudo o que os grandes empórios e marcas oferecem é essencial. Não possuí-lo é fonte de assolapantes angústias existenciais, as únicas, de resto, admissíveis.
2. Encontram-se de psique alterada por via do bombardeamento ininterrupto de propaganda sedutora, onde os incitam e empurram a endividar-se, a qualquer preço, de todas as maneiras possíveis e imaginárias; são constantemente assediados por uma espécie de proxenetas financeiros que lhes exibem pornografia excitante e vaporizam perfumes afrodisíacos; vendem-lhes crédito como quem lhes vende heroína ou charros ao domicílio;
3. Fruto dessa intoxicação consumista, levada a cabo com a conivência e o beneplácito mais que escandalosos das autoridades, tornam-se crédito-dependentes. Zombificam, abdicam da própria liberdade e livre arbítrio, hipotecam o futuro, e entregam-se a uma servidão rastejante da dose, ou melhor dizendo: do juro. Incapazes, por clara debilidade mental, à partida, de discernirem o que verdadeiramente está em causa, atolar-se-ão cada vez mais nas areias movediças do mistifório e da vigarice, e acabarão tragados por um labirinto de cláusulas, micro-cláusulas e alçapões legais;
4. São geralmente ígnaros e ineptos em matéria financeira, ou em qualquer outra que transcenda a vida dos futebolistas, o enredo das novelas, o casamento dos príncipes, o último grito dos telemóveis e outras do mesmo jaez. Aderem infantilmente ou por compulsão osmótica às promoções irresistíveis que, em ubíqua algazarra, arautos e almocreves de todos os quadrantes proclamam. Junkies da publicidade, padecem, em fase terminal, de onerreia –isto é, de incontinência aquisitiva;
5. São comprovadamente inexperientes. Aliás, inexperientes é pouco: ingénuos, simplórios, totós, papalvos, é mais o termo. A facilidade com que desembestam atrás de qualquer ilusão, a tendência para confundir anseio com evidência, a facilidade com que se babam de roda de qualquer fábula, coloca-os praticamente num estado de completa vulnerabilidade a todo e qualquer charlatão. Mesmo parlapatões pouco mais que unicelulares não encontrarão grandes dificuldades para lhes venderem lotes em Marte ou nuvens na Austrália. Por esta altura, já compram a própria água que bebem e, adivinha-se, não tardará que paguem pelo próprio ar que respiram.
6. Referi-los como fracos de carácter é claramente um exagero. Na verdade, em termos de carácter, a definição correcta é "ausentes", ou "acaracterísticos". O carácter, em rigor, desempenha neles a mesma função que a vértebra nos moluscos. Não admira pois que, à inexperiência, se some a irresponsabilidade e se subtraia, quase de todo, a individualidade.

Concluindo:
Como é bem patente, o crime existe. É público e notório. Atenta contra a saúde mental e moral da população e mesmo contra a existência física do país. Sendo um crime público não carece de denúncia para que o Ministério Público proceda e investigue. Mais: é-lhe obrigatório fazê-lo. Então porque é que não se investiga?...
Só me ocorre uma explicação: pela mesma razão que não se procede contra a espoliação dos papalvos por parte da Igreja Universal do Reino de Deus. Ou seja, ao abrigo do pleno –e constitucionalmente sagrado - direito à Liberdade de Religião e Culto.
Afinal, não é usura: é cobrança do dízimo.

1 comentário:

Flávio disse...

Obrigado pelo texto e pela tua lucidez, Mestre Dragão. Eu exerci advocacia durante vários anos e, para mim, o negócio usurário sempre foi uma figura misteriosa e distante. Não só nunca me servi desse artigo 282º, como nunca percebi muito bem que ratio é a sua. Afinal, o que é isso de benefício excessivo e como é que se distingue da simples esperteza para o negócio? Não é seguramente qualquer desproporção que justifica esse rótulo desagradável de usura. Enfim, não será que o nosso legislador quis ser um pouco mais papista que o papa?