quarta-feira, maio 18, 2005

Zazie em grande estilo

«E sabem que mais. O grande mal não é uma sociedade de gente com coluna vertebral bem forte e espírito aguerrido. É uma sociedade de frouxos que anseia por uma imagem de poder e de heroísmo que já não conhece. Os ideais torcionários sempre se venderam aos pobres e miseráveis e às massas embrutecidas que desejam a glória colectiva por não serem capazes de se bastar na coragem individual

Esta rapariga, claramente, anda em más companhias... Eu estimo-a muito e folgo ainda mais sempre que a vejo pelejar a esmo. Está visto: Têm que ser as mulheres a pegar em armas. Porque os "homens", ébrios de sensibilidade, andam muito ocupados com a lide da casa: a passar a história a ferro, a tricotar argumentos, a estrelar falácias, ou a fazer o inventário das mercearias. Isto, enquanto não aspiram a economia e limpam o pó às pratas e ao entendimento. Ou correm ao cabeleireiro, a cuidar da trunfa e das unhas. Se bem que em muitos casos, dado o vigor e a exuberância da copa, mais indicado fosse, em vez do coiffeur, um jardineiro - um intrépido e valente podador de sebes, pois claro.

Tem só uma coisa, ó Zazie: a nossa degradação turbo-moderna vai ainda mais fundo que isso. Nem sequer é já uma "sociedade de frouxos que anseia por uma imagem de poder e de heróismo que já não conhece": limita-se a uma récua de gastrópodes espumejantes, de casinha às costas, que se contenta com a gamela, a digestãozinha espiritual fácil, e odeia visceralmente tudo o que lhes cheire -já não digo a heróico - mas a vértebra ou resquício dela. Se há coisa que o pensamento rastejante não suporta é ver ainda alguém de pé.

Tudo isto, vá-se lá saber porquê, traz-me à memória um bêbado lendário e empedernido, freguês habitual e fanatizado lá na tasca do Armindo (o Caguinchas e a malta estão aí e não me deixam mentir). Viciado convicto em vinho a martelo, o tal seca-adegas, nutria uma devoção tal pela mixórdia que, conforme diz o povo, por um copo três até era capaz de dar o cu e oito tostões. Certa ocasião, caí eu na asneira de lhe oferecer um copo de pinga a sério (um "Colares Reserva", se bem me lembro; tinto). À primeira golada do precioso néctar, para minha grande perplexidade, rompe o gajo num tremendo vómito, no seguimento do qual golfa o líquido no chão e brada, indignado: "Foda-se, Dragão, zurrapa desta vai mas é dá-la ao teu pai! Ca ganda merda! Queres-me envenenar, ou quê?!!..."

Aquele cavalheiro que desaconselhou o desperdício de pérolas com porcos era um tipo sábio.

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