segunda-feira, junho 20, 2005

O Anti-Éden


A grande descoberta mental do crepúsculo do século XX: todas as utopias são ridículas, insustentáveis e perniciosas. Devoradoras de homens. A sensatez contemporânea é perfectófoba, na verdade somos todos perfectófobos, isto é, temos horror visceral à perfeição. Instaure-se a edenoclastia: a aversão escaqueirante ao Paraíso. O paraíso é uma grande chatice e só cria pobreza e desemprego. Por isso, o nosso progenitor primordial, mais respectiva concubina, se puseram ao fresco. E o abre-te Sézamo da felicidade industrial é simples: criar paraísos é uma perda de tempo e não combina com a idiossincrasia humana; logo, o que temos mesmo é que organizar devidamente o inferno. Pôr ordem na casa. Dar alguma arrumação, uma decoração estética e arquitectónica aos seus interiores: traçar avenidas espaçosas entre os tormentos, bairros residenciais sobre as agonias, cidades modernas para lá dos estertores, parques municipais para o desespero, aeroportos para a frustração, complexos fabris à beira do abismo, centros culturais para o sofrimento e hipermercados junto à tortura. Frustrados e ressabiados do Éden perdido, exercitamo-nos agora na construção obsessiva do Anti-Éden. Cuspimos e crucificamos Jesus Cristo todos os dias. E o Anti-Cristo não é outro senão o Adão Furioso. E hermafrodita.

7 comentários:

MP disse...

Oh Dragão, na mouche!!

zazie disse...

genial Dragão! simplesmente genial!

é por isso que eles também são revolucionários e nem sequer gostam do consevadorismo. Aplicam-se esforçadamente em novas utopias. Que tenhas dado conta que mais não são do que tarefa caseira de arrumar o inferno é perspicácia toda tua.

Posso guardar?

ó rapaz. Olha que com estas ainda concordo que isto dava um livro :lol: :lol:

timshel disse...

o dragão é genial

eu li o mesmo que a zazie e cheguei às conclusões opostas

que este texto é uma soberba crítica ao espírito pragmático e comezinho da anti-utopia

quem senão um génio consegue esta proeza

timshel disse...

eh eh acho que agora é que entalei o dragão (é melhor ir buscar um extintor antes que ele me comece a assar pela minha irremediável estupidez)

ou então ele finge que não vê nada, mete a língua entre as pernas (isto é uma maneira de falar claro) e não é indelicado pra ninguém

JMTeles da Silva disse...

Gostei muito.
Não dou parabéns porque você já se encontra para além deles.

zazie disse...

Tim,

acho que não chegámos a conclusões opostas: o Anti- Eden é também uma utopia. Querendo matar o paraíso esforça-se por criar o seu oposto.

Por isso é que disse que não é apenas conservadorismo. Há grande dose de voluntarismo e muito verbo neste ideal de governanta dos infernos
ehehe

zazie disse...

e ainda por cima foi-me buscar o Bosch...

eu nem digo mais que até fico envergonhada ":O))