domingo, agosto 14, 2005

Coração das trevas


Há em nós, portugueses, uma qualquer costela calcorreadora de mundos. Há, direi mesmo, uma força misteriosa, mas irresistível, que nos pulveriza em todas as direcções. Quem nunca partiu e voltou, dessa viagem a casa do diabo mais velho, é como se ainda não tivesse nascido. Debate-se em trabalhos de parto. Extrai-se a ferros. Ou põe-se a ferros, caso cisme de não partir, posto que se obstine em não nascer.
Mas não se pense que zarpamos à procura de não sei que Eldorados ou fontes maravilhosas. Experimentem a viagem e depois digam-me... Não é nada disso. Vamos só à procura do caminho de regresso – é para o encontrar que nos perdemos, que nos empurramos para lá de todas a fronteiras, rotas e mapas conhecidos. Porque a mesma força que nos expulsa, que nos expande, é aquela que, depois, nunca mais deixa de nos atrair. Aquela que nos derrama, que nos perde, é também aquela que vai sempre atrás de nós, à nossa procura. É como um coração de terra, magnético, a palpitar – um coração de que nós somos o sangue.
E é como se fugíssemos de casa só para irmos contemplá-la de fora, da distância, de longe, de nenhures.
No fim, lá nos limites do assombro, à beira do sorvedouro, nos confins da odisseia, vencidos monstros e abismos, não são terras ignotas e exóticas aquilo que descobrimos –ou melhor, não são quaisquer terras ignotas e exóticas, mas uma em especial... Uma que nunca imagináramos que existisse: a nossa própria terra. Essa que nos viu nascer e que nos espera à hora da morte. Descobrimo-la nesse dia, lá longe, quando descobrimos que afinal a viagem não foi no mundo, mas no nosso próprio coração. Quando descobrimos que o maior monstro e o maior abismo somos nós próprios. Quando, enfim, descobrimos que a nossa única e verdadeira descoberta foi descobrir que a amamos.
Foi por isso que eu voltei, terra minha, porque te amo!
É contigo que me quero deitar para a eternidade.

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