terça-feira, agosto 23, 2005

O 31 de Abril


Se ardessem as salas de chuto –isto é, os "Continentes", os "shoppings", os "Ikeas", as farmácias, os queridos bancos -, isso sim, isso é que era dramático, trágico, catastrófico! Calculam-se as manifestações indignadas, vociferabundas, os cortes de estrada, de ferrovias, as barricadas, as marchas de protesto, os buzinões e cagaçais ininterruptos. Ou então se ardesse a casa de algum artista, o barbecue de algum metrossexual colunável, surpreendido pelas câmaras da TV em flagrante, a correr espavorido à frente das labaredas, de cuecas fio-dental; ou ainda, que sei eu, a mansão estival nº4 de algum craque da bola, de preferência oxigenado e com piercings em barda... Aí, aí S.Jorge vos acuda, nem quero pensar!... Obnubila-se-me que armagedão não seria!... Mesmo para mim, perito em babéis caóticas e badernas transcendentais, é difícil conceber uma indignação tão uníssona e ribombante, um tal Timor reacendido de canções e bandeiras em riste. Não, digo-vos, por um breve instante, abdico da minha proverbial omnisciência e sou forçado a reconhecer as minhas limitações prognoseológicas, meteorologia incluída: o mais que lobrigo e alcanço é que, no mínimo, era uma nova revolução florida, um 31 de Abril que só visto. E desta vez, ao contrário da outra, ou muito me engano, ou inúmeras pessoas não escapariam facilmente a uma agreste soirée no Campo Pequeno, onde, com requintes revolucionários e malvadez peregrina, acabariam polidas e depiladas até à morte. Não sem que antes, bem entendido, as penteassem, perfumassem, lipoaspirassem e maquilhassem, sem dó nem piedade. E se os torcionários de outras épocas, com sadismo expedito, arrancavam unhas às desvalidas cobaias, estes, cheios de tiques e donaires afectados, iriam ainda mais longe: pintavam-nas e bruniam-nas de vermelho ou rosa-choque!...
Deus tenha piedade de nós!...

2 comentários:

Afonso Henriques disse...

As rosas, Dragão, as rosas...
Ouve bem o que te digo:
Se eu soubesse que entre nós haveria gente do teu pulsar te garanto, digo mais, te afianço, que do regaço de Isabel, a Santa, a Rainha, não teriam rolado rosas mas sim botelhas de generoso tinto alentejano!
À tua!

Anónimo disse...

Enquanto houver Portugueses...
E nessas alturas, foram sempre poucos, mas Portugueses...
Obrigado.