domingo, outubro 02, 2005

Certame de prosadeiras


Já não é primeira vez que deparo com esta consideração peremptória: "A Agustina é a maior prosadora portuguesa viva".
Vou-me esquecer, por instantes, que a malta de direita se agarra à Agustina, como os sinistros se agarram ao Saramago ou coisa parecida. Em época de naufrágio, qualquer tronco ou armário esventrado, desde que bóie, serve.
Parto também do princípio que ao dizer-se "prosadora" se excluem os "prosadores" da compita. O Vilhena, ao que sei, ainda respira. Devo referir igualmente, e a bem da verdade, que desconheço os dados biométricos da senhora –altura, peso, diâmetro, volume encefálico; pelo que não consigo abalizar com rigor se é de facto a mais alta, a mais pesada, ou até a mais veloz. A mais bela sei que não é de certeza, pois o conjunto lembra inequivocamente um estafermo das berças. Terá o espírito dum Platão, mas não ultrapassa a elegância da porteira labrusca no físico. Ironia divina? Quiçá.
Por outro lado, espicaça-me a dúvida: como se medirá uma prosadora? – À página? À linha? À metáfora? Ao capítulo? Ao romance? Ao prémio? Se é ao prémio, em que é que o certame das prosadoras se distingue dos canídeos com pedigree?... Enfim, perplexidades, mil e uma.
Em todo o caso, mentiria se não dissesse que considero de protuberante ligeireza, senão mesmo deplorável miopia, tão taxativo galardão: A Agustina a maior prosadora portuguesa viva? Estão-se a esquecer, no mínimo, da Rita Ferro ou da Helena Sacadura Cabral, que diabo!... Uma atoarda dessas só é compreensível em quem nunca leu "Querida menopausa".
Mas não me mal interpretem: o problema da Agustina não é escrever mal –aliás, nem bem, tão pouco. O problema da Agustina, acreditem, é escrever romances.

5 comentários:

josé disse...

Meu caro Dragão:

Não li nada da Agustina que possa justificar plenamente o que vou dizer. Mas digo-o na mesma, fiado no preconceito que vem de impressões fluidas de leituras avulsas e de tentativas várias de encetar o queijo dos seus livros. Não consigo. E nem é do cheiro; que suporto bem camemberts- eléctricos, até, se forem de Gong.

É mais do tipo da casca...
Os livros da Agustina parecem-me cascudos, desde os títulos aos presuntos assuntos. Há um que se chama Os meninos de Oiro e que supostamente descortica o tempo do Prec e o que se lhe segue.
Para mim, que não o li, fica-me um travo de dúvida séria sobre as capacidades analíticas que se adensam, ao ler que a dita senhora escritora, fez publicar esta frase sobre esses tempos:
"Em Março de 1975, formado o Conselho de Revolução, a dinâmica política tomou um rumo mais radical e a rua subiu ao poder com a manifestação da Fonte Luminosa."

Não leio, por isso, os Meninos de Oiro.

Quanto ás leituras avulsas, desde o início dos anos setenta, ou até antes, que Agustina escreve em jornais e revistas, crónicas anódinas que nada ou pouco influenciaram seja quem for.

Uma delas, em 7.1.1971, num suplemento literário do Diário Popular, publicado às quintas-feiras,onde se reuniam outros Ruben A., Ilse Losa, José de Freitas, Manuel Poppe ( com quem recentemente troquei umas ideias na FNAC de Lx...)Jorge Listopad e outros vultos apagados da nossa cultura literária e artística, sem expressão visível que não artigos em jornais.
Nessa croniqueta, Agustina começava assim:

Há em Palermo uma fonte guarnecida de ninfas, deusas ou mulheres bem compostas do seu natural, que muito escandalizou a gente do sítio, lá vai tempo, talvez da era dos senhores de Gattopardo. A FOnte da Vergonha- lhe chamam ainda. E, entre as fachadas barrentas dos palácios, vê-se a cisterna hoje inofensiva com as roliças fêmeas malhadas de sóis e chuvas.
Todavia, Palermo tem ainda algo de atrabiliário e resistente, não sei em que testemunhos dos seus faustos. Pressente-se o seu passado faustoso e intriguista, através das gelosias fechadas, grossas de pó; e em certos nomes de lojas meio falidas, e em certos olhares defensivos ou quase hostis."

Esta prosadeira é irrelevante. Tanto como qualquer postalzito que possamos escrever.
Mas tem um mérito: refere "ninfas", como só a falecida Natália C.o faria, com aquela cultura, hoje já de alfarrabista, e que tinha o mérito de referenciar fábulas e mitos para proveito e exemplo, refere ainda "atrabiliário" que é palavra esquecida e que pouca gente soletra bem; e refere "gelosias" que é termo de uso arquitectórico, mas com beleza interna.
Por último, o tema do escrito é a cidade de Palermo, na Sicília, presumivelmente visitada então pela prosadeira, onde nem se refere, mesmo que de passagem, o fenómeno que hoje se tornaria incontornável, como diriam os marselheses: a mafia!
Essa alienação oculta na escrita que omite um fenómeno social permeabilizado à saturação, já nessa altura, encontra apenas reflexo simulado na menção a Lampedusa.
E, para mim, é essa a essência da escrita de Agustina, pelo que me foi dado folhear: a realidade perpassa nos livros como se os livros fossem a realidade.
É esse o problema e que não se detecta nas entrevistas. Nelas, a senhora prosadeira, assume ares de senhora grande em conhecimentos da natureza humana que nem os grandes filósofos da antiguidade conseguiram atingir.
São esses píncaros da pretensão que me afastam de certos livros.
Aqui está a minha recensão crítica aos livros que Agustina nunca escreveu...

josé disse...

Ora aí está um belíssimo conselho:

Fazer dinheiro e...nada mais fazer!

Não é isso que fazem alguns-os moedeiros?!!!

Anónimo disse...

Eu cá numa Quaresma precisada de cilícios dei-me a regougar a Fanny Owen, porque conhecia bem a 'realidade', e fiquei esclarecido. Por alguma razão quando me falam de Agustina imagino-a de mão dada com a Paula Rego.

Carlos Araújo Alves disse...

«(...) o conjunto lembra inequivocamente um estafermo das berças.»

Já ganhei odia, parti-me a rir!

zazie disse...

o que eu gostei mais foi da imagem que este danado se lembrou de ir buscar ":O)))

eram tão badalhocas essas pinturas dos países baixos ":O))