domingo, março 05, 2006

A Genealogia do Matadouro - I. Introdução



«Somos virgens no horror como na volúpia. (...)
Era então uma criança e fazia-me medo, a prisão. É que não conhecia ainda os homens. Agora nunca mais acreditarei no que eles dizem, no que eles pensam. É dos homens e só dos homens que devemos ter medo.
E quanto tempo será preciso durar a sua loucura para que parem finalmente esgotados, esses monstros?»
- Céline, "Viagem ao Fim da Noite"


O massacre –o extermínio em massa -, não é património exclusivo de nenhuma época, civilização, povo, nação, regime, seita, classe ou ideologia. Varia nos métodos, nos motivos, nas ferramentas, nas razias, nas peripécias, nos saldos contabilísticos e até nos léxicos, mas porfia na constância com que acompanha, em lúgubre comitiva, as evoluções invariavelmente sanguinárias da espécie humana. Recanto sinistro, cruel e desapiedado do homem, a carnificina, como a história universal atesta à exaustão, não o larga para onde quer que ele vá (e, desde Caim, ele tem ido a muitos sítios e cirandado por todo o lado). É mesmo, dir-se-ia, o seu mastim de serviço, o seu mais fiel cão de fila, o sabujo predilecto, sempre fogozo e disponível, nas suas depredações e caçadas. Isto, à primeira vista, para quem, sensível ou enauseado, guarde uma certa distância. Mera ilusão! Um olhar mais atento e perscrutante não tarda a dissipar tal conceito. Na verdade, o mais íntimo companheiro da alma humana não é um cão: é uma hiena.
A viagem pelos abismos que ora se inaugura é uma digressão fria e desapaixonada à hiena que habita as entranhas de todos nós, seja qual for a indumentária ou maquilhagem em que esse abençoado “todos” –nunca duvidem - se reveste. Ou melhor, se mascara.

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