quarta-feira, maio 31, 2006

Porque hoje é quarta-feira...

«-Raios te partam! - rugiu Turandot que, depois de ter retomado o seu equilíbrio no meio da rua, à custa dos freios de alguns carros nocturnos, especialmente matinais, entrava de novo na cervejaria, manifestando um fervente desejo de luta.
Surgiram, então, de todos os lados, rebanhos de criados. Não se poderia supor que havia tantos. Saíam das cozinhas, das caves, das despensas, da adega. A sua massa compacta envolveu Gridoux e depois Turandot. Não conseguiram, contudo, apoderar-se facilmente de Gabriel. Tal como o coleóptero atacado por uma coluna mirmidónica, tal o boi assaltado por um bando de sanguessugas, Gabriel sacudia-se, multiplicava-se, debatia-se, atirando, em direcções variadas, projécteis humanos, que iam partir mesas e cadeiras ou rolar aos pés dos clientes.
O barulho desta controvérsia acabou por despertar Zazie. Ao ver o tio preso da matilha cafeteira, gritou-lhe."Coragem, tio!" Apoderou-se duma garrafa e atirou-a, ao acaso, para o monte. É assim grande o espírito militar entre as raparigas de França. A viúva Mouaque seguiu esse exemplo e distribuiu cinzeiros à sua volta. O espírito de imitação pode levar a fazer coisas não muito recomendáveis. Ouviu-se, então, um barulho considerável. Gabriel acabava de cair no meio da louça para lavar, arrastando para os cacos sete criados desenfreados, cinco clientes que tinham tomado partido por eles e um epiléptico.
Zazie e a viúva Mouaque levantaram-se, com o mesmo movimento, e aproximaram-se daquela magma humana, que se agitava no meio da serradura e dos cacos de louça. Algumas marretadas, bem aplicadas, com o sifão, eliminaram da competição certas pessoas de crânio frágil. Graças a isso, Gabriel pôde erguer e rasgar, se assim se pode dizer,a cortina dos seus adversários e, ao mesmo tempo, levantar os corpos desfalecidos de Gridoux e Turandot, estendidos no solo. Alguns jactos de água gasosa, dirigidos para as trombas destes, pelo elemento feminino e maqueiro, fizeram com que se reanimassem. A partir de então, o resultado já não oferecia dúvidas.
Enquanto os clientes, tíbios ou indiferentes, se eclipsavam, à socapa, os teimosos e os criados, já sem forças, rendiam-se, ante o murro severo de Gabriel, o punho de Gridoux e o pé violento de Turandot. »

- Raymond Queneau, "Zazie dans le Metro"

O meu recolhimento eremitérico não me permite grandes efusões. Mas para boa entendedora...

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