terça-feira, fevereiro 19, 2008

Às avessas

Chamam-lhe democracia porque, em tese, o povo é que escolhe, que determina, que elege. Mas mais valia, a bem do rigor e da prática, chamarem-lhe demorreia, já que na verdade o povo não elege, rejeita. É assim entre nós desde 1974 e é assim por esse mundo fora, onde quer que a tranquibérnia fabulosa grasse.
Na primeira vez que fomos às urnas, logo após a golpada florida, tratou-se de rejeitar os comunistas. Depois, rejeitámos, sucessivamente, a "direita", o Bochechas, o Cavaco e, mais recentemente, a Guterrada e os Santanóides. Da próxima, será para deitar ao lixo a actual socratristeza.
Portanto, de eleição a coisa tem muito pouco. Tirando as seitas de apaniguados e amanuenses partidários que, compreensivelmente, lá peregrinam por afazeres profissionais, a generalidade da população não comparece animada de grande intuito ou vocação. Nenhum bem espera desencadear: apenas, por sina, estrebucha para obviar a um mal maior. Por isso mesmo, bem ao contrário de eleger governo, melhor devia dizer-se que aflui para derrubar o governo (mal) eleito. Assim, à demorreia chamam democracia e às rejeições chamam eleições.
Dir-se-ia que, bem no fundo, mais não fazem que replicar, duma forma serôdia e frouxa, a golpada matriz da trôpega cegada. Em resumo, de quatro em quatro anos, derrubam governos. Esporadicamente, nem isso.

8 comentários:

Anónimo disse...

Nem mais...

Pode ser que nas próximas haja surpresas e fiquemos a conhecer a famosa "boa moeda", que já tarda.

Pedro Barbosa Pinto disse...

Isto acontece porque o que rejeitamos são pessoas e não regimes.
Faz parte na nossa maneira de ser. Nós não nos enganamos porque somos extremamente inteligentes. E sabemos muito bem o que queremos.
Se num restaurante nos servem um bife que nos está a saber mal, chamamos o empregado e pedimos que o cozinhe um pouco mais, eventualmente que o troque por um menos cozinhado.
Trocar de restaurante, ou pedir uma posta de pescada em sua substituição está fora de questão.

Anónimo disse...

Bom texto, boa análise, embora já Karl Popper o tivesse dito. Não sou capaz de reproduzir de memória as palavras exactas, mas ele diz mais ou menos isto: nas chamadas democracias representativas ocidentais, o povo está mesmo reduzido a castigar com o seu voto maus governos e governações.

kommando disse...

Aqui no Brasil, a cada novo presidente o povo sente saudades do anterior.

Carlos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos disse...

Primeiro derrubamos, depois levamos quatro anos a ver quem é que ficou no lugar dos que derrubamos, damos-lhes o benefício da dúvida e elegemo os que por lá caíram. Passados quatro anos derrubamo-los, e ficamos novamente, por mais quatro anos, a ver quem são os pardais que fanaram o lugar aos que não elegemos, depois elegemo-los....

Anónimo disse...

"Tirando as seitas de apaniguados e amanuenses partidários que, compreensivelmente, lá peregrinam por afazeres profissionais, a generalidade da população não comparece animada de grande intuito ou vocação. Nenhum bem espera desencadear: apenas, por sina, estrebucha para obviar a um mal maior. Por isso mesmo, bem ao contrário de eleger governo, melhor devia dizer-se que aflui para derrubar o governo (mal) eleito. Assim, à demorreia chamam democracia e às rejeições chamam eleições".

Pronto: acabou de definir o propósito da minha existência. Só que eu não o faço com leviandade; pelo contrário, arrogo-me do facto de ser militante entusiasta do derrube de governos. Chamem-me negativista, que eu até gosto. Até estava numa de monarquia e tudo. Só para os irritar um bocadinho, aos filhos do Buiça.

Anónimo disse...

Cum camano!
Enquanto isso os gajos enchem-se sazonalmente. Nunca são responsabilizdos, pelo contrário, acabam a trabalhar para a onu e outas pândegas de faz de conta do mesmo género.