sexta-feira, maio 30, 2008

Épocas de ilusionismo

«Uma agressão contra a inviolabilidade, digamos, mesmo a santidade da habitação teria sido impossível por exemplo na velha Islândia nas formas que assumiu em Berlim de 1933, como pura medida administrativa no meio de uma população de um milhão de pessoas. Como excepção louvável, merece menção um jovem social-democrata, que fuzilou à entrada do seu andar uma meia dúzia dos chamados "polícias auxiliares". Esse homem continuava a participar ainda da liberdade substancial, na antiga liberdade germânica que os seus adversários precisamente festejavam. Naturalmente, ele também não tinha aprendido isso no seu programa partidário. Em qualquer dos casos, não pertencia àqueles de quem Léon Bloy disse, que correm para o advogado enquanto a mãe deles está a ser violada.
Se, além disso supuséssemos que em cada rua de Berlim pudéssemos contar nem que fosse com um único destes casos, então as coisas teriam tido uma feição diferente. Épocas em que a tranquilidade perdura favorecem certas ilusões de óptica. A elas pertence a admissão de que a inviolabilidade da habitação se funda na Constituição e é assegurada por ela. Na realidade, aquela funda-se no pai de família, que, acompanhado pelos seus filhos, aparece à porta com o machado. Só que esta verdade nem sempre se torna visível e também não deve proporcionar uma objecção contra a Constituição. É válida a antiga palavra "É o homem que defende o juramento, não o juramento que defende o homem". Reside aqui um dos motivos pelos quais a nova legislatura depara com uma simpatia tão escassa da parte do povo. O que se diz na Constituição sobre o domicílio é agradável de ler, mas vivemos em tempos em que um funcionário está sempre a passar a outro o batente da nossa porta.»

- Ernst Jünger, "Tratado do rebelde"

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