domingo, agosto 31, 2008

Com hífen ou sem hífen - I

O Engenheiro Ildefonso Caguinchas desembestou na tasca, aliás cibertasca, visivelmente preocupado e todo ele a coçar-se, da nuca aos cotovelos. À maneira dos peregrinos defronte dos oráculos, cachapou-me com a seguinte e hirsutíssima questão:
-"Dragão, parece que anda para aí uma epidemia de anti-semitismo. Dizem que é uma espécie de sarampo, bexigas doidas, ou lá o que é. Aquilo pega-se, ó Dragão! É a nova sífilis, Ando até preocupado: estarei eu também anti-semítico? Na volta, montei alguma anti-semítica infectada e o escarépio já me trepa, da cabeça da gaita à cabeça do engenheiro. Não há médicos para estas coisas? Centros de rastreio? radiografias? Foda-se, pá, tu diz-me: onde é que um gajo pode ir fazer análises por via das dúvidas?..."
Reconheci-o genuinamente angustiado, pelo que, como me competia e obrigava a tradicinha, tratei de retirar o devido e tradicional proveito da situação.
Comecei para convocar, de emergência, o C.A.F.T.E.N. (Comité de Análise de Factos Técnicas e Empresários da Notícia). Congregado o devido quórum, mais o fórum e o bóra-bórum - e já com a ucraniana protocolar ao colo - presidi. Como de resto me competia, soberanava e estava predestinado desde o primeiro orgasmo do cosmos. Abri, rompi e desflorei a sessão, vociferando, em tom peremptório, o ponto de ordem que passo a enunciar:
-"Comissáurios, o nosso ilustre - e geralmente intrépido - engenheiro (além de arquitecto, diácono, webbmonstro e mestre de gramática) Ildefonso Caguinchas, com a perícia manhosa que lhe é universalmente reconhecida, exfiltrava-se de casa da Sara Mafalda e, com pertinácia lampeira, progredia em direcção à alcova da Zulmira Cândida, quando, sem aviso nem presságio, foi emboscado e assaltado -persignemo-nos, conlusos! - pelo seguinte problema...
Nesta altura, porém, vi-me obnubilado na palestra pela entrada abrupta -e atrasada - do safardana do Gervásio Galabilhas. Vinha dum incêndio, ainda na farda de bombeiro voluntário e, não contente com a delonga, agravou com a audácia suplementar de inquirir logo à chegada:
-"Então, o que há? Qual é a crise?..."
Ao que o Bisnau, sob a anuência supervisionante e gaviã do Beto Lingrinhas, esclareceu: "É o Ildefonso, pá. Foi assaltado por um problema!... Ele e a Pertinácia que ia com ele."
O Gervásio olhou de esguelha para o Dedinhos, com quem mantém uma desavença antiga, e teimou em bacorejar:
"Já não bastavam os carteiristas e os ladrões de rádios, agora também os problemas. Este país está entregue à bicharada!...Mas essa Pertinácia deve ser nova cá no bairro. É boa?..."
-"O Dragão ia agora explicar como é que o sacana do problema conseguiu assaltar o Caguinchas. E depois, que também deve ser interessante, o que é que o Engenheiro fez ao problema!" - Entendeu bedelhar o Armindo Taberneiro, que também se achava gente.
Aproveitei a deixa para, após um ósculo repenicado na ucraniana, explodir publicamente com toda a minha justa, sonora e legítima indignação.
-" Diz bem, o tasqueiro residente: eu ia explicar. Ia, bem entendido, pretérito imperfeito do verbo ir, se as grandessíssimas bestas me deixassem. Isto é, caso, por milagrosa deferência, se dignassem fechar a matraca e prestar um mínimo de atenção à mesa. E quantas vezes já disse - a esse bigorrilhas, a esse melcatrefe, a esse salafrário pirofóbico recém-chegado! - que está rigorosamente proibido de comparecer diante de mim nesse nojento e repugnante traje, hein?! Quantas vezes?!! Além de atrasado, desembarca de bombeiro, ainda por cima voluntário! Quando vai à Protectora dos Animais também se veste de toureiro?!! Caralho, recaralho e rerrecaralho que o foda, refoda e tetrafoda!...- está multado! São quinze imperiais, mais as respectivas guarnições, acepipes e rescaldos. E um vigia de olho na aguardente, não vá o tarado compulsivo, à surrelfa, querer apagá-la!..."
A caterva ouviu, amainou e estremeceu. Quando estou de ucraniana ao colo, sabem que não sou para brincadeiras nem molezas. A ditadura obsidia-me e tolda-me a razão.
Marinada uma pausa para remuniciar os fagotes, reavivar a caldeira e acariciar o coxame protocolar, passei, finalmente, à explitação técnica do problema:
-"Como eu ia dizendo, o assunto, a questão, o problema é o seguinte: Como é que o cidadão sabe se é anti-semita positivo ou anti-semita negativo?"
Grande bruá na assembleia. "Anti-o-quê?!", engasgavam-se uns; "anti-sanita quantos?!", confundiam-se outros; "então mas o Problema não era o marido da Pertinácia", encanastrava-se mais que todos o Gervásio, agora fardado de fantasma por via da toalha branca com que o Armindo o preservara da minha ira; "sim, boa pergunta, e o Caguinchas ficou-se?", alporquiava-se, não menos alucinéfilo, o Beto Lingrinhas. Como era de esperar, rebentou uma autêntica brainstorm. Que os vapores da besana, por via do avançado estado da hora, mais não faziam que amplificar. E uma brainstorm, não é preciso dizê-lo, que, a qualquer momento ameaçava virar brainurricane, se me é permitido o neologismo.

Ora bem, dizer que aquilo me lembrava vagamente a ala dos furiosos do hospital Júlio de Matos em noite de lua cheia é desnecessário, já que, com cristalinidade infinitamente superior, emulava na perfeição o Parlamento da República. Verificando-me a presidir a uma tão deprimente baderna, experimentei um tal furor que, não fosse o efeito altamente pacificador da ucraciana-ao-colo, a esta hora, é garantido, estaria a ser ouvido em tribunal por pluricídio voluntário (e a ser libertado, em tempo record, ao abrigo do novo Código de Processo Penoso). Salvou-os a Svetlana, esse anjo aveludado com dedinhos de fada e coxas de sereia, mas não os salvou o regimento da assemblagem, esse meandro cabeludo, com base no qual, ao abrigo dum pentelho e três borbulhas processuais, retaliei aos urros, punindo-os, de supetão, em conformidade, enormidade e especialidade. Tonitruei, pois, de modo perfeitamente audível, como recomenda Aristóteles, sempre que se alveja uma eficaz persuasão:
-"Ai é, parlamacentam, democratosgam, republicanejam?!, então levam com uma comissão nos lombos por causa das cócegas!
-"Uma comissão?!" - Urticarizou-se todo, o Dinossauro (o sénior, porque o júnior estava ausente, numa pós-graduação em Bilhares e matraquilhos). - Uma comissão é que não! Tudo menos uma comissão. Já sei que o frete me toca sempre a mim. Eles é que armam o circo e depois eu é que tenho que limpar a bosta das alimárias!..."
-"Ah-Ah! - exultei, satanicamente (o protocolo além do exclusivo ucraniano outorga-me também a concessão vitalícia das mefistofelonias). - É uma comissão, sim senhor. E está já nomeado, o vetusto recalcitrante, para caudilhar e apascentar a mesma. Pegue no Engenheiro e em mais dois desses energúmenos à escolha e proceda à peritagem do acidente, digo, do problema. Chic transit, habeus cornus e cona da tia!..."

A minha despótica decição, caucianada no meu lendário mau feitio, não deixava margem para dúvidas, tergiversúcias nem apelos. Limitou-se a resmungar, o idoso - como de resto também lhe competia - "acho que me vou matricular num desses universadouros séniores... é preferível rebolar em autocarros por ribanceiras que aturar uma tirania destas!..." e foi tratar de aviar a receita. Colegiou-se do Ildefonso, do Bisnau e do Gervásio e lá foram comissionar para o quintal. "Leva tu as cartas e o dominó, eu vou buscar as brasileiras!", ouvi ainda o manhoso do Caguinchas propugnar para o sub-secretário Bisnau, mas como ao abrigo do artigo 1903, secção B do regime especial do código que já não me lembra, essa excepção está consignada, cerzida e isenta de apocalipse, soda e imposto de sê-lo, fingi que não ouvi e retirei-me com a ucraniana para o reservado, onde tratei de dar despacho aos pendentes.

Do relato exaustivo dos trabalhos da Comissão, logo detalharei, se à musa aprouver. Porque, devo referir, além duma gulosa, fogosa e apetitosa, às vezes dá-lhe para ser insaciável. Mas nada que demova ou apoquente um lídimo descendente de Vlad, o Empalador.


2 comentários:

zazie disse...

ehehe

'E o anti-semitismo e as enchorradas com esquilos a marinharem por uma pessoa acima.

O Caguinchas havia de ver a figura do musaranho. Eu 'e estou sem cabo, caso contrario, juntava os teus malucos com os meus e fazia post.

Beijocas

Anónimo disse...

"Uma coisa porém, foram capazes de fazer: um sistema bancário de usura, de roubo.

Nisso, são peritos."

Tanta perícia não é necessária. Existem os anti-semitas palermas.

Vir aqui, eventualmente, para assuar e vê-los se retorcer nos excrementos é um entretenimento e tanto.

Felizmente esses gusanos fecais hão de ficar moribundos e, não tarda, chega o óbito. Já se vislumbra. Da merda exsurgem, para merda retrogradam.
Nada como um dia após o outro.