terça-feira, dezembro 30, 2008

Sem Nesgas II

Há um ano atrás, precisamente aqui, escrevia eu exactamente isto:
«Para ser franco, eu acho que não há Ano Novo nenhum. É uma anedota - e um logro - chamar-se novidade a uma continuação. 2oo8 é só aquele pedaço de Limbo que fica entre 2007 e 2009. Um mero marco na estrada para Nenhures. O bêbado-ao-volante chamado Humanidade zurra e comemora de cada vez que passa pelos marcos. A seguir estampa-se. Abalroa árvores, casas e ciclistas; atropela peões e velhinhas; varre sinais, candeeiros e semáforos. Sempre com grande algazarra e festividade. Leva a televisão com ele (a servir, em simultâneo, de pára-brisas e retrovisor). E o diabo lá dentro.
Busca desalmadamente o estampanço definitivo. Há-de, mais dia menos dia, encontrá-lo. Acelera com fúria porque procura desesperadamente um freio. Tenta, pois, acertar em cheio, mas apenas colhe de raspão. Enquanto o estampanço terminal não chega, o mais que alcança, na ponta do zigue-zague, é resvalar.»

Mantenho integralmente. Basta acrescentar uma unidade aos números. 2009 é só aquele pedaço de Limbo que fica entre 2008 e 2010.

«E nós cá continuaremos, a calafetar-nos, muito bem calafetadinhos, no nosso casulo onfalofântico. A nossa bela cela almofadada. Para nos podermos despistar e estampar pela Eternidade. Sem nos magoarmos muito. Aliás, sem nos magoarmos nada. Porque, enfim, em êxtase, absolutamente anestesiados à dor dos outros.»

domingo, dezembro 28, 2008

Their Kampf

«Matei um homem porque me feriu, e um rapaz porque me pisou. Se Caim foi vingado sete vezes, Lamec sê-lo-á setenta vezes sete.»
- Genesis, 4, 23-24

Adivinhava-se, isto de Gaza. Os tipos, autênticos murder-junkies, já deviam estar a ressacar de não massacrar ninguém há mais de dois meses. Faço ideia, aquelas mioleirazinhas quase incandescentes, aqueles olhinhos raiados de insónia!... Aliás, eu bem prognostiquei. Pena que não me habite idêntico jeito para o Euromilhões.

Mas, suspeito bem, nem foi o Hammas, nem nenhum palestiniano, quem os transportou a um tal paroxismo de fúria, a uma tão espumosa sanha: foi o Madoff!


quarta-feira, dezembro 24, 2008

Errata natalícia

No postal anterior, onde escrevi "conspurcar", tenham a gentileza de entender "lambuzar".
Obrigado.

Mozart, lá do fundo. Do coração. Para quem ainda o tenha.

Nós, humanos, temos uma forma de conspurcar Deus a que, dum modo geral, chamamos Religião. E temos uma forma de celebrá-lo, a que chamamos Arte.
Há também aquele saguão da filosofia a que os parolos chamam ciência, mas isso interessa para aqui tanto quanto o flato dos anjos.
O que importa é que hoje é véspera de mais um aniversário do Menino Jesus, pelo que aqui deixo os meus votos:

Parabéns, querido irmão, Menino Jesus!
Goza bem a noite, a pausa nas impiedades...
Porque a seguir, dia 26, já sabes:
voltamos a pregar-te, bem pregado, na cruz.

terça-feira, dezembro 23, 2008

Mais mortes súbitas

«A top HSBC banker has been found hanged in the room of a five-star hotel, police said tonight».

PS: A ordem aqui seguida na apresentação não foi, necessariamente, a cronológica. De notar também, que não houve unanimidade na metodologia.

Bancorrupção

«New Report: Worldwide Bankruptcy Wave About to Hit»

O que estes badamecos plutofílicos não entendem é uma verdade crua e elementar que já tem milénios: depois da bancarrota moral, segue-se fatalmente a bancarrota física.

Acresce a tudo isto um fenómeno típico das culturas psicóticas: a alternância histriónica entre estados de euforia e crises de pânico. O ocidente, o que resta dele, perdeu toda a noção de prudência e, sobretudo, de equilíbrio. O que há de pior no ser humano desenfreou-se. E o que há de pior é o que há nele de menos nobre: a ganância.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Madoffisseia

THE BIGGEST LOSERS

Fairfield Greenwich Group (investment management firm) $7.5 billion

Tremont Group (hedge fund) $3.3 billion

Banco Santander (Spanish bank) $2.87 billion

Bank Medici (Austrian bank) $2.1 billion

Ascot Partners (hedge fund founded by J. Ezra Merkin) $1.8 billion

Access International Advisors (New York investment advisers) $1.4 billion

Fortis Bank Nederland (Dutch bank) $1.35 billion

Union Bancaire Privée (Swiss bank) $1 billion

HSBC (British bank) $1 billion

RBS (British bank) $599 million

Natixis (French investment bank) $554 million

Carl Shapiro (founder of Kay Windsor) $545 million

BNP Paribas (French bank) $431 million

BBVA (Spanish bank) $369 million

Man Group (British hedge fund) $360 million

Reichmuth & Co (Swiss private bank) $327 million

Nomura (Japanese broker) $304 million

Maxam Capital Management (fund of funds based in Connecticut) $280 million

EIM (European investment firm) $230 million

Aozora Bank (Japanese bank) $137 million

AXA (French insurer) $123 million

Yeshiva University (private, New York) $110 million

UniCredit (Italian bank) $92 million

UBI Banca (Italian bank) $86 million

Swiss Life Holding (Swiss insurer) $78.9 million

Great Eastern Holdings (Singapore insurer) $64 million

Nordea Bank (Swedish bank) $59 million

M&B Capital Advisers (Spanish broker) $52.8 million

Hyposwiss (Swiss private bank) $50 million

Banque Bénédict Hentsch & Cie (Swiss private bank) $48.8 million

Fairfield, Connecticut (town pension fund for firefighters, policemen and teachers) $42 million

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Em todo o caso, considero da mais elementar justiça, perante esta monumental obra de Bernie Madoff, proclamar o seguinte: Isto, meus amigos, não é fraude, nem burla, nem estrita vigarice: isto, compenetremo-nos, é Arte. Não pertence ao domínio do vergonhoso, mas do sublime. Este homem, além duma estátua, várias comendas e outras tantas cidades com o seu nome, merecia um Homero que o cantasse.

domingo, dezembro 21, 2008

SECos e Molhados

Na verdade, não sou eu que o digo: o "esquema Madoff" era o maior Hedge Fund do mundo.
Entretanto, há vários anos que Harry Marcopolos vinha alertando o SEC (US Securities & Exchange Commission) para a mais que presumível sujidade do esquema. Os funcionários do SEC, porém, parece que estavam assoberbados com outros afazeres. Tinham assuntos mais importantes entre mãos. Assuntos e não só.
Enfim, coisas do paraíso terreal.


Esquematismo infrascendental

Com a U.S. Debt a abeirar-se perigosamente da insolvência, a Reserva Federal não dá descanso às impressoras...
«Hedge funds gain access to $200bn Fed aid»

Ou me engano muito, ou isto significa que os outros "esquemas ponzi" (que ameaçam cair por arrasto do maior de todos eles - o do abençoadinho Madoff), têm que ser salvos a todo o custo. Não vá revelar-se, duma forma ainda mais cruelmente ostensiva do que a actual, aquilo que começa a bradar à evidência: não só a Economia se tornou refém da Finança, como a Finança se refinou numa miríade de esquemas, ilusionismos, fumigenações e trampolins, onde a imoralidade mais deslavada só é suplantada pela vigarice mais contumaz.
É o produto acabado da lúmpen elitose.

sábado, dezembro 20, 2008

Hollywood ou Hollyland?



Joel Stein, que (adivinhem) é um judeu ufano dessa condição, escreve num jornal tão respeitável quanto o Los Angeles Times:
«How deeply Jewish is Hollywood? When the studio chiefs took out a full-page ad in the Los Angeles Times a few weeks ago to demand that the Screen Actors Guild settle its contract, the open letter was signed by: News Corp. President Peter Chernin (Jewish), Paramount Pictures Chairman Brad Grey (Jewish), Walt Disney Co. Chief Executive Robert Iger (Jewish), Sony Pictures Chairman Michael Lynton (surprise, Dutch Jew), Warner Bros. Chairman Barry Meyer (Jewish), CBS Corp. Chief Executive Leslie Moonves (so Jewish his great uncle was the first prime minister of Israel), MGM Chairman Harry Sloan (Jewish) and NBC Universal Chief Executive Jeff Zucker (mega-Jewish). If either of the Weinstein brothers had signed, this group would have not only the power to shut down all film production but to form a minyan with enough Fiji water on hand to fill a mikvah.
(...) The Jews are so dominant, I had to scour the trades to come up with six Gentiles in high positions at entertainment companies. When I called them to talk about their incredible advancement, five of them refused to talk to me, apparently out of fear of insulting Jews. The sixth, AMC President Charlie Collier, turned out to be Jewish.»


E termina o seu artigo, o bom Joel, com um voto honesto e desassombrado:

«But I don't care if americans think we're running the news media, Hollywood, Wall Street or the government. I just care that we get to keep running them.»

Bem, não sei exactamente qual é a predominância judaica na filha-da-putocracia global. Não sei nem me interessa por aí além. Se, conforme proclamam todos os meses, possuem mais pedigree para a função e uma grande vaidade nisso, que lhes faça bom proveito. Agora, que venham ultimamente tiranizando Hollywood ou minando Wall Street e o governo americano, não me custa nada acreditar. Prova eloquente disso mesmo, nesta actualidade sinistra, é a mediocridade (quando não nulidade artística) em que chafurda o cinema hollywoodesco, o pântano financeiro em que se debate Wall Street e a corrupção africana em que bestializa a (des)governação americoisa. E tão africana que até se sentiram na premência de entronizar um títere a rigor.

Mas que a discrição vinha ganhando contornos de desfaçatez, como é típico dos estágios avançados da perversão e da decadência, também já se vinha percebendo. E se alguém ainda tivesse dúvidas da transformação de Hollywood em Holly-land, ou seja, em centro de propaganda rinociente gaiteira, seis filmes sobre o Holocausto só para sulfatação das massas nesta quadra natalícia, deixá-las-iam, senão extintas, irremediávelmente condenadas ao sumiço...

«there are no fewer than six heart-wrenching, Holocaust-theme flicks coming to a theater near you.
In the days ahead, moviegoers will have their choice of "The Reader," with Kate Winslet and Ralph Fiennes, and "Adam Resurrected," with Jeff Goldblum (both opening Friday), "Valkyrie," with Tom Cruise (Dec. 25), "Defiance," with Daniel Craig, and "Good," with Viggo Mortensen (both Dec. 31). Already out is "The Boy in the Striped Pajamas," with Vera Farmiga

Abusam alarvemente da Hubris. E depois passam a vida a queixar-se da Nemésis...
Gente mais grotesca e saloia é difícil de encontrar. Excepto, naturalmente, neste planeta.

PS: Entretanto, convém dizer que uma ofensiva propagandística desta envergadura não augura nada de bom para os palestinianos. Se fosse a eles, ia-me mentalizando para um agravamento drástico nas condições de sobrevivência. Tudo indica que vão ter um muito adverso 2009.


Bilderburguer



Tudo bons rapazes... A caravana do Obama.
Notem que o termo não podia ser mais apropriado, já que "rapaz", etimologicamente, deriva de "rapace".

quinta-feira, dezembro 18, 2008

Passagem de nível sem guarda

Mas o mais engraçado de tudo isto é que, se calhar, é caso para dizer:
Páre, escute e olhe: um Ponzi pode esconder outro.
Atentemos apenas, como amostra, neste pedacinho de prosa:
«A new Citigroup scandal is engulfing Robert Rubin and his former disciple Chuck Prince for their roles in an alleged Ponzi-style scheme that's now choking world banking.» (E vai por ali fora, num verdadeiro mimo...)

De facto, senhoras e cavalheiros, o que é que o Madoff tem que o Rubin não tem?
Certamente, não é pedigree. O Rubin também o tem - também pertence à auto-proclamada "casta dos eleitos". Só que mesmo entre o eleitos, como na lendária quinta, todos o são, mas há uns que são mais que outros.

Se não, alguém que faça o favor de me explicar porque é que acontece todo este estardalhaço acerca do Madoff, que refundiu 5o biliões, e se guarda o mais respeitoso silêncio acerca do Rubin, que terá estafado mais do dobro? Porque é que Madoff vai para a pildra (o que duvido muito, mas, enfim, é forma de dizer) e Rubin, depois de ter sido Secretário do Tesouro do Clinton, se prepara para assumir funções elevadas (ministeriais ou para-ministeriais) no governo da coisa Obama?
Vice-presidente do Council of Foreign Relations terá algum efeito imunitário?...


quarta-feira, dezembro 17, 2008

A moral e os maus costumes

Oh milagre! Oh redenção:

«Madoff Investors May Be Protected By Government»

Ah, enxuguemos as lágrimas, ó almas simples, meus irmãos! As vítimas do galhardo Madoff ainda acabarão socorridas pelos cofres públicos. Felizmente, já se iniciaram os procedimentos e trâmites legais nesse sentido.
Podemos dormir agora mais descansados. Até porque, convenhamos, havia um mínimo de decência a salvaguardar: sacar o dinheiro aos pobres é correcto, chama-se economia; agora, descapitalizar os ricos é coisa que a moral não autoriza. A moral e, ainda menos, os maus costumes.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Cheques e balanços

Mais habilidades do galhardo Madoff:

«The lobbying firm Dow Lohnes Government Strategies filed paperwork on Dec. 12, terminating its lobbying contract with Bernard L. Madoff Investment Securities. That ended more than 10 years of Madoff lobbying in Washington, in which his investment firm spent more than $400,000 to influence the federal government.»

Mas a lóbice era só uma das vertentes tácticas. A ancestral cleptogamia (ou vaginopepsia estratégica) não podia faltar:
«But lobbying is just a piece of Madoff’s influence in Washington. His family has contributed nearly $400,000 to political committees. And his niece, Shana Madoff Swanson, who serves as a compliance attorney at his firm, is married to a former high-ranking Securities and Exchange Commission official, Eric Swanson.»

Deve ser a isto que os pacóvios de plantão chamam "cheques e balanços".


United States of Ponzi

«Madoff's take of $50 billion demonstrates unequivocally that the entire investment industry is essentially one big confidence game, where appearances mean everything and substance is hard to come by. Listening to the petulant indignation emanating from the victims of that fraud who were "professional" investors elicits little sympathy from a public who watches helplessly as the Fed continues to pump taxpayer-backed dollars into the accounts of the biggest financial institutions. That wouldn't be so bad if we saw some of that cash making its way down into the broad economy, but so far there is absolutely zero evidence of that happening.

Madoff's fraud, improbable as it may seem, brings to mind another massive financial institution that, if the same standards of evaluation were to be applied as to Madoff, would most likely reveal another Ponzi scheme in progress.

A "Ponzi Scheme" is one where early investors are paid non-existent "profits" with the money brought in by new investors. Ponzi schemes always collapse when no more investors can be enticed into the scheme, and payouts stop. This is exactly what happened in the Madoff case, and unless I am very much mistaken, this is what is happening at the United States Treasury right now, with its accomplice, the United States Federal Reserve




segunda-feira, dezembro 15, 2008

O germe e o fruto

«Há longos anos o Brasileiro (não o brasileiro brasílico, nascido no Brasil - mas o português que emigrou para o Brasil e voltou rico do Brasil) é entre nós o tipo de caricatura mais francamente popular. (...)
De facto, o pobre brasileiro, o rico torna-viagem, é hoje, para nós, o grande fornecedor do nosso riso.
Pois bem! É uma injustiça que assim seja. E nós os portugueses que cá ficamos, não temos o direito de nos rirmos dos brasileiros que de lá voltaram. - Porque, enfim, o que é o Brasileiro? É simplesmente a expansão do Português.
Existe uma lei de retracção e dilatação para os corpos, sob a influência da temperatura. (Aprende-se isto nos liceus, quando vem o buço). Os corpos ao calor dilatam, ao frio encolhem. A mesma lei para as plantas, que ao sol alargam e florescem, ao frio acanham e estiolam. A bananeira, nos nossos climas, é uma pequena árvore tímida, retraída, estéril: no calor do Brasil é a grande árvore triunfante, de folhas palmares e reluzentes, tronco possante, seiva insolente, toda sonora de sábiás e outros, escandalosa de bananas. Mesma lei para os homens. O espanhol das Astúrias, modesto, homem, discreto e grave - passando para o sol do Equador, nas Antilhas espanholas, torna-se o sul-americano vaidoso, ruidoso, ardente, palreiro e feroz. Pois bem! O Brasileiro é o Português - dilatado pelo calor.
O que eles são expansivamente - nós somo-lo, retraidamente. As qualidades internas em nós, estão neles florescentes. Onde nós somos à sorrelfa ridiculitos, eles são à larga ridiculões. Os nossos defeitos, aqui sob um clima frio, estão retraídos, não aparecem, ficam por dentro: lá, sob um sol fecundante, abrem-se em grandes evidências grotescas. Sob o céu do Brasil a bananaeira abre-se em fruto e o português rebenta em brasileiro. Eis o formidável princípio! O Brasileiro é o Português desabrochado.
Ó o sol de lá que nos fecunda. O Chiado sob os trópicos dá inteiramente a Rua do Ouvidor. Rirmo-nos do brasileiro é rirmo-nos de nós sem piedade. Nós somos o germe, eles são o fruto: é como se a espiga se risse da semente. Pelo contrário! o brasileiro é bem mais respeitável, porque é completo, atingiu o seu completo desenvolvimento: nós permanecemos rudimentares. Eles estão já acabados como a abóbora, nós embrionários como a pevide. O Português é pevide do Brasileiro.
Que somos nós? Brasileiros que o clima não deixa desabrochar. Semente a que falta o sol. Em cada um de nós, no nosso fundo, existe, em germe, um brasileiro entaipado, afogado - que, para crescer, brotar em diamantes de peitilho, calos e prédios serapintados de verde, só necessita embarcar e ir receber o sol aos trópicos. Cada lisboeta, sabei-o, traz em si a larva de um brasileiro. Nós aqui vestimos cores escuras, lemos Renan, repetimos Paris, e no entanto cá dentro, fatal e indestrutível, está aboborado - um brasileiro.
Quem o não tem sentido a agitar-se, como o feto no seio da mãe? - Fitais às vezes uma gravata verde com pintas escarlates? É o Brasileiro a remexer por dentro. - Desejas inesperadamente uma boa feijoada comida em mangas de camisa? É o Brasileiro. - Apetece-vos ir visitar a Memória do Terreiro do Paço? É o Brasileiro lá dentro. - Lembra-vos reler uma ode de Vidal ou uma fala de Melício? É o Brasileiro! Ele está dentro de nós lisboetas! Ah, sabei-o! Vós estais sempre no vosso estado interessante - de um Brasileiro!
E quereis uma prova? É o Verão! É o cruel Verão! Então sob a temperatura germinadora - o brasileiro interior tende a florir, a desabrochar, a alastrar em cachos. Então começais a deitar o chapéu para a nuca, a usar quinzena de alpaca, a passear depois do jantar com o palito na boca, a exigir dos vendedores a água do Arsenal, a frequentar a Deusa dos Mares! Sabeis o que é? É o Brasileiro, que lá tendes dentro da entranha, atraído pelo sol, a querer romper!
Portanto quando nos rimos dele - intentamos a nós mesmos um processo amargo. No Inverno a pevide contém a abóbora: mas quando a abóbora cresce no Verão, é ela que contém a pevide. Nós cá contemos o brasileiro; ele lá, chegado ao Brasil, germina, brota em fruto, e nós ficamos-lhe dentro. Ora se esmagarmos a abóbora a grandes golpes de chacota, é sobre a nossa própria e rica pessoa que descarregamos o riso fero. Tenhamos juízo! Reconheçamo-nos neles como nós mesmos - ao sol.!»

- Eça de Queiroz, "O Brasileiro" (Fevereiro, 1872)

Sob esta interessante perspectiva é melhor começarmos a acreditar piamente no tal "aquecimento global". E duma forma tórrida, escaldatória. Já se vêem desabrochar, nem direi brasileiros, mas angolanos por todo o lado.

Nota: Desta vez a gralha na data era apenas de cem anos a mais. Para compensar a anterior, que era de cem anos a menos. E testar a atenção do leitor de serviço (que, diga-se, mais uma vez não quis deixar os seus pergaminhos por mãos alheias e abateu a ave em pleno voo.)

E o Imperador agachou-se.

domingo, dezembro 14, 2008

Do barrete à barrela

A Lista está a aumentar. Na avalanche desta Dona Branca global, não vão só os super-ricos: os ricos também lá andam. E as Fundações, coitadinhas... Ai as Fundações!... Se até as fundações se afundam, que restará de pé?...
Corações ao alto! Aleluia! É o Santo Mercado a funcionar!

Wall Street's biggest fraud



Não percam. Uma história de nos partir o coração.

Entretanto, podem consultar aqui, a Lista das Vítimas.

E já agora, alguns dados sobre este "Dono Preto" (por oposição à nossa Dona Branca) do mega-swindle americoiso:
«Apart from running his "investment company" and being a former chairman and director of the National Association of Securities Dealers (NASDAQ) (...), Madoff is a former national treasurer of the American Jewish Congress (AJC) of New York City, one of the major fund-raising organizations for the state of Israel. Founded by the Hungarian Zionist rabbi Stephen S. Wise, the AJC claims to be "the first Jewish Defense Agency to support the establishment of a Jewish state" and boycott Germany in the 1930s. Wise was a Zionist who had been trained at the Jewish Theological Seminary in New York City, where Michael Chertoff's rabbi father and grandfather also studied and taught.Madoff is also the treasurer of Yeshiva University, a private Jewish university in New York City, where he is chairman of the board of the university's business school, the Sy Syms School of Business, which he has endowed with large donations, from his "Ponzi" scheme no doubt.»

Etc, etc.

Mas há mais...

Segundo a Forward, o estoiro de Madoff (com um nome gentio destes, estavam à espera de quê?...), lançou ondas de choque sobre todo o empório filantrópico judeu. Uma associação de beneficiência até já fechou e toda a comunidade talmúdica de investidores experimenta um aflitivo aperto mitral no esfíncter.

Justiça poética, chega quase a ser, não é?...

sábado, dezembro 13, 2008

Ócio e Negócio *



Aristóteles teve, entre muitos outros, dois méritos relevantes: compilar a tradição que o precedeu e fundar o melhor da tradição que lhe sucedeu.
Ora, de Aristóteles, como posteriormente de Cristo, vinha uma ideia negativa de negócio e de dinheiro que atravessou toda a Alta Idade Média e chegou ao século XII. O evangelho será claro no seu "não podes servir a Deus e ao dinheiro" e o filósofo grego, na sua Ética a Nicómaco, antecipava:
«Quanto ao homem de negócios, é um ser fora da natureza, e está bem claro que a riqueza não é o bem supremo que procuramos."

O bem supremo, aproveito para adiantar, era a sabedoria; que, por incrível que pareça, coincidia com a liberdade. Hoje, graças a mil pregadores sebentos e milagres outros tantos, sabemos perfeitamente que não é assim - decoramos e salmodiamos a todas as horas que o dinheiro é que liberta, que a riqueza é que santifica, que a nababice é que salva-, mas naquelas épocas ignaras e obscuras ainda não era assim. Homem sábio equivalia a homem livre - já que, sendo a única ciência autenticamente livre, só a sabedoria consagrava e dignificava o homem inteiro. Não é por acaso que Alexandre, o Magno, discípulo de Aristóteles, prestará homenagem a Diógenes, o Cão. Apoveito para relembrar o célebre diálogo entre ambos, como penso que dever ser relembrado:
Alexandre - Pede-me o que quiseres, que mandarei dar-to!...
Diógenes - Peço-te que não me tires aquilo que não me podes dar! (a luz do sol)
Alexandre - Não sou eu que te faço sombra.
É caso para dizer que, mais que um diálogo entre dois homens livres, estamos perante uma conversa entre dois sábios. Um que pode entregar-se ao saber por já ter quase tudo o que um homem pode ter, designadamente a servidão de quase todos os outros, e outro por não precisar de quase nada e não servir a ninguém. Momento sublime, este, que perdura pelos séculos e faz as delícias de todos aqueles, felizmente poucos, que, como dizia o nosso Agostinho da Silva, amam, mais que o ortodoxo ou o heredoxo, o paradoxo. Sensivelmente o mesmo que o velho Heraclito cognominava de Logos e atribuía à tensão entre os opostos. Tensão, que é como quem diz: música. O que, assim de repente, nos transporta a uma evidência que lego desde já aos vindouros: toda a lógica que não seja música é mero ruído.
Maravilhemo-nos apenas mais um pouco com as Magnas palavras de Alexandre: "Não sou eu que te faço sombra..." Isto é, eu que estou, aparente e efemeramente, de pé, diante de ti, aparente e efemeramente prostrado, afinal estou mais baixo que tu. Na verdade, és tu que me olhas de cima, do alto. Alexandre, recorde-se, que todos os Césares, Napoleões e Hitleres, lá bem no fundo, invejaram e cujo império tentaram emular. Embora não tenham carecido de exércitos nem de armas para o efeito, faltou-lhes sempre o essencial: a sabedoria de Alexandre. A sabedoria e, condição dela, a liberdade.

O que explicarei com detalhe já de seguida, retomando o fio à meada. Como vinha expondo, para Aristóteles, só o homem não tolhido ou coarctado por qualquer necessidade ou utilidade podia dedicar-se à sabedoria. Esta proporcionava-se, pois, enquanto sublimação do ócio. Só o ócio permitia a sabedoria, que é o mesmo que dizer só o ócio prefigurava a liberdade.
Uma passagem memorável da "Metafísica" proclama-o com todos os is: «Mas aquele que se confronta com um problema ou se admira, reconhece a sua ignorância. De modo que se filosofaram para fugir à ignorância, é claro que buscavam o saber tendo em vista o conhecimento e não por uma qualquer outra utilidade. O que se comprova pelo facto de terem começado a demanda da sabedoria quando já dispunham de todas essas coisas necessárias e relativas ao repouso e ao ornamento da vida. É pois evidente que não a procuramos, à sabedoria, por nenhuma outra utilidade, mas apenas porque assim como chamamos homem livre ao que é para si mesmo e não para outro, assim consideramos esta como a única ciência livre, pois sòmente ela é para si mesma.»

Note-se, assim, que a sabedoria, em Aristóteles, não é uma condição da liberdade: é uma consequência. O Homem não se liberta através da sabedoria: procura a sabedoria porque é livre. Esta não é promessa, mas exercício de liberdade. Melhor ainda: expressão. A sabedoria é o horizonte mais nobre de expressão da liberdade humana. Estamos, pois, nos antípodas do nosso tempo. Hoje - e desde, pelo menos, o intelectualismo medieval (herdeiro transecular da sofística, nunca esquecendo)-, a liberdade conquista-se através da ciência (ciência política, ciência económica, ciência jurídica, ciência biológica, médica, física, etc). A ciência aufere dessa grandiosa utilidade de nos vir libertar, emancipar ou salvar um dia destes. À medida que vamos ficando cada vez mais enleados, mais vácuos e desorientados, compensamos através da crença desarvorada de que estamos cada vez mais livres, ou mais próximos duma qualquer redenção material - leia-se: mecânica. Por isso mesmo, a ciência moderna evolui enquanto quintessência da utilidade. Coisa mais necessária e imprescindível não existe. É a prótese de toda uma espécie zoológica. Nas suas trepidantes plurifanias, congrega uma vastíssima pletora de interesses humanos (que, a cada dia que passa, se confundem mais com os "interesses universais", segundo os ditames da "comunidade científica"). Em contrapartida, na antiguidade aristotélica, a ciência livre corresponde à "ciência desinteressada", não sujeita às cadeias da necessidade nem aos arreios da utilidade. Donde, não objecto de investimento, mas de investigação; não motivo de ocupação, mas de amor. Nada nos empurra ou arrasta materialmente para a sabedoria. Mais que dis-tracção (das cadeias e redes intra mundanas), é pura a-tracção - pelo extraordinário, pelo admirável, pelo supra-humano.

Valerá talvez a pena abrir um parêntesis para perscrutar bem as palavras. Investigação e investimento, para já.

Do latim in-vestio, investimento fala-nos de uma guarnição, duma cobertura, dum ornamento. Hoje em dia, a ciência enquanto in-vestio está banalizada: as pessoas investem num curso, numa licenciatura, num mestrado, num doutoramento, e por aí fora. Estamos perante uma espécie de sábios às camadas, às tiras, às fatias. Diante dum produto de confeitaria que vai recebendo sucessivas coberturas mais ou menos achocolatadas de conhecimento e respectivo carimbo veterinário. Cada pastelaridade emérita destas sente-se realizada na medida em que desfile, se exiba e seja admirada por um maior número de basbaques e parolos facilmente impressionáveis. Mais emblemático ainda: estes sabões ambulantes altamente frenéticos, sequiosos de pedestal e megafone, não partem de qualquer tipo de admiração ou espanto; pelo contrário, outro fito não parecem reunir na vida (e sob o revestimento córneo do bestunto) senão causá-los por onde quer que bolcem ou eructem a mais recente ingurgitação curricular de matérias. O preço que cobrem ao minuto revela do nível de excelência que alcançaram no enxame. Também não é a sabedoria que os atrai; eles é que se derriçam, esmifram e resumem no fátuo mester de atrair arraial onde quer que se desbordem. Em suma, não os atrai a sabedoria, porque são eles agora a atracção, sendo que este "agora" leva séculos. Da mesma forma, não é uma carência o que os anima ao movimento, à peregrinação, mas a cornucópia, o bazar transbordante, o caravançarai aos molhos. Também não buscam a sabedoria porque, ao contrário de carentes, estão atestados, tumefactos e prenhes dela. Ad ovo. Pilharam-na aos deuses e vendem-na doravante a retalho.
Evidentemente, esta descrição dos intelectuais hodiernos é plenamente intermutável com os intelectuais medievais. O seu principal fito também era, à partida, enquanto mercadores/professores atrair alunos/clientes. Ou seja, congregar receita, angariar rendimento, trampolinar com vista aos sobrecargos do Poder e da Burocracia, sempre a pingarelhar e albardar à elite. Como se vê, e não me cansarei nunca de demonstrar, trata-se duma espécie de gastrópode imune à evolução, absolutamente cristalizada no seu circo atávico e fossilizada na sua baba.

Reconheça-se, além disso, que o in-vestio tem também muito de in-struo - dito em português: o investimento processa-se sobretudo através duma instrução. Se relembrarmos os múltiplos significados da verbo "struo" no latim (empilhar, construir, amontoar, encher, erigir, maquinar, etc), facilmente avaliaremos a que ponto o ornamento resulta dum amontoamento, dum empilhamento, duma construção. O intelectual é uma máquina de debitar conceitos, tanto quanto uma trama de superficialidades e papagueações mascaradas de erudição.

Ora, em termos aristotélicos (e dragonianos também), isto vale zero. Se um tipo vai para a sabedoria para se ornar e para se exibir é porque não é livre. Não é a verdade que procura, mas o espectáculo funambulesco, a vanitas bebuína. É porque em vez de o animar a paixão desinteressada pela sageza, ocupa-o, tripula-o e telecomanda-o a vã gloríola do momento e do instante a ferver, a venalidade do agenciamento patrimonial. Não anda a tratar duma genuína vocação de homem livre, mas a mercadejar, à híbrida maneira das rameiras e dos chulecos, uma cloaca mental tripla (através da qual se alimenta, se despeja e se reproduz), e que ora aluga ao dia, hora ou minuto, ora leiloa em desfiles e bacanais privados ou palimpresépios de serralho (quando adquirem aquela pose inefável de vaquinhas e burrinhos bafejando a sebenta em palhas deitada, para deslumbramento entediado dos rebanhos de candidatos a ruminantes da mesma.)

Faltará dizer muito, quase tudo como de costume, mas contento-me com mais um pormenor significativo: na Antiguidade, o homem livre tem por contraponto o escravo. A liberdade, condição da sabedoria, tem como oposto a servidão, o ser mero instrumento alheio. Recordo que a condição de escravatura antiga resultava, regra geral, dum contrato: o vencido trocava a vida pela liberdade. O vencedor poupava-o a troco dos seus serviços. O escravo sobrevivia por via da sua utilidade, pela graça de se poder tornar útil ao seu novo senhor. Leónidas e os Trezentos, nas Termópilas, relembre-se, tiveram o cuidado de recusar essa escaptória, o que reflectia em larga medida o ethos aristocrático pré-sofístico: antes morrer livre que viver escravo. Aristóteles, sobre isto, na "Política", é esclarecedor:
«As ferramentas são, umas, animadas, e outras, inanimadas.(...)Também o escravo é uma propriedade animada.(...) Aquele que sendo homem não pertence por natureza a si mesmo, mas que é homem (ferramenta/instrumento) de outro, esse é, por natureza, escravo.»

Assim, o sábio não é aquele que se serve da sabedoria, ou seja, que não a deprecia e avilta à condição de sua torpe ferramenta ou instrumento. E não o faz por uma razão tão simples quanto evidente: porque a estima, porque reconhece a sua grandeza, altura e, sobremaneira, a sua carência. Se, genuinamente, a ama, não a explora. Apaixonado por ela, a última e mais ignóbil coisa que lhe deverá ocorrer é tornar-se seu alcaiote.
Ora, a distância que medeia entre o sábio antigo e o intelectual moderno é exactamente esta: o abismo que divide o homem livre do escravo; o vasto oceano que separa o amante do proxeneta. Glosando Swift, este "intelectual para todo o serviço" equivale ao moço de estrebaria que ajuda os Yahoos a montarem nos Houyhnhnms.
Estremeçamos, pois: a universão dos saberes gerou a perversão da sabedoria.

Nota importante: este postal foi escrito (quase todo ele), e deve ser lido, no seguimento deste (Babelúrgicos Pedagogos). Este ano tem sido para mim um ano especialmente penoso e dado que me falta o tempo, falta-me a liberdade, despreza-me a filosofia. Aprendi-o nos livros e experimento-o agora, duma forma particularmente atroz, na realidade. Mas como entendo que o que não mata, fortalece, concluo, alegremente, que, por este andar, não tardará muito e estarei um perfeito Hércules. Tremei, ó Amazonas!...

quarta-feira, dezembro 10, 2008

A crise explicada aos insectos

«Num dia de inverno uma cigarra esfomeada pediu a uma Formiga um pouco de comida que esta tinha armazenado.
- O Quê? - disse a Formiga - Não trataste de armazenar alguma comida para ti, em vez de estares sempre a cantar?
- Na verdade, até armazenei - respondeu a Cigarra -, mas as tuas amigas entraram por minha casa adentro e levaram-ma toda.»

- Ambrose Bierce, "Esopo emendado e outras fábulas fantásticas"

Depredações e outras acções

Eliot Spitzer... lembram-se dele, do ex-Governador de New York?...
Convirá talvez recordar um artigo seu de Fevereiro passado. É capaz de fazer bastante mais sentido agora:

«Predatory Lenders' Partner in Crime

How the Bush Administration Stopped the States From Stepping In to Help Consumers»

Gen. Hamid Gul on CNN 07DEZ08

Inside job, o Blow-job?...

Também tu, Julius?...

Onde é que este mundo vai parar?
Quando respeitáveis banqueiros suíços "morrem subitamente", (uma fórmula suavizada de dizer suicídio, segundo fontes ocultas), é caso para dizer que a brutalidade já nem os próprios sacerdotes respeita.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Costureirinhas da Sé



«Os carroceiros concluíram entre si um contrato de trabalho e decretaram a inutilidade do génio; uma época ulterior vai decerto dar-se conta de que os seus edifícios são amontoados de pedras, e não verdadeiros edifícios. (...)
Mas olhai-os, estes sábios, estas poedeiras extenuadas! Não são, decerto, naturezas "harmoniosas", mas cacarejam mais do que nunca, porque põem mais do que nunca. Os ovos são cada vez mais pequenos, muito embora os livros sejam cada vez mais volumosos. O resultado final e o mais natural é a "vulgarização" tão apreciada da ciência, ou seja, a sua "feminização", a sua "infantilização", dado que se tem a desonra de retalhar para um "público heterogéneo" a veste da ciência - neste momento, estamos a utilizar um vocabulário de alfaiate para designar uma actividade de alfaiate.»

- Nietzsche, "Da utilidade e dos inconvenientes da História para a Vida"

O nosso tempo já nem o nível de alfaiataria alcança. Proliferam, em regime de enxame, as costureirinhas. Costura de pequenos arranjos, bem entendido. De pequenos ajustes e coseduras em fatos comprados no pronto-a-vestir... ou a pensar, tanto faz.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Uma Questão de Higiene, mesmo.

Prosseguindo nesta aleatória reposição de postais antigos (os três anteriores também eram de 2004), recapitulemos alguns conceitos elementares acerca da mixórdia e dos seus múltiplos requintes.


Volto a este assunto. Se vos desgosta, tanto melhor. Mas não consigo deixar de pensar em tão crucial temática:
Há qualquer coisa de flagrantemente promíscuo entre grande parte da “literatura” que se edita nestes dias e o papel higiénico. A cada dia que passa, a evidência, de resto, aumenta: ler tornou-se uma forma sofisticada (ou meramente complementar) de ir ao cabeleireiro. Ou à retrete. Não será por acaso.
Desde sempre, o burguês luzidio e bem tratado, filisteu atávico que refocila todo pimpão em chiqueiros egonáuticos, recorre aos livros como parte essencial da decoração doméstica: enquadra-os com reposteiros e mobílias, afina-os por tapeçarias e bibelôs. Aprecia-os, sobretudo, sob o ponto de vista da encadernação. Isso e o “bom tom”. Os clássicos são de bom tom numa sala ou escritório. Casos há também em que não é, de todo, a decoração doméstica que o norteia: nesse caso, é a indumentária.
Eu, tenham lá paciência, mas aos livros devoto ritual diverso. Há aqueles que leio e aqueles que não. Os que leio aprecio-os pelo que trazem escrito no papel; os outros, pela macieza e capacidade absorvente deste.
Por exemplo, uma Agustina Bessa-Luís ou António Lobo Antunes, por incrível que vos pareça, variam muito. Há edições mais macias que outras. Há edições absolutamente agressivas para a pele, que arranham e desbotam, mal entram em contacto com a superfície a cuidar. O mesmo se pode dizer em relação a uma Lídia Jorge. Já um Saramago não padece dessas flutuações: oferece-se-nos em papel standard, sem oscilações, bastante dúctil e aderente. A sua capacidade escato-pregnante é notável. Não tanto, é certo, como uma Agustina, nem, longe disso, como um Lobo-Antunes; mas, ainda assim, bastante aceitável.
Lobo-Antunes, de resto, só por si, seria merecedor de uma monografia. Retrete que não disponibilize ao celebrante, em suporte dourado apenso, uma das suas obras, proscrevei-a de imediato, a vermelho, na vossa agenda. Livrai-vos de cagar em tal antro: é gente analfabeta –ou pior: analfabrava – de certeza absoluta. Inventai uma desculpa, um pretexto inadiável, e escafedei-vos de lá o quanto antes. Se não são canibais, são antropófagos - burgueses de merda, enfim.
A mim, quando eventualmente algum dos raros casais amigos –gente intrépida – me convida para ir, de senhora Dragão à ilharga, jantar lá a casa, mais que o menu, nunca se esquecem de me dizer: “e temos lá a última edição do Lobo-Antunes, em edição especial, papel couché .”
Além do mais, nestes saraus, tanto como o que vamos passar pela boca, importa que acautelemos o que vamos abeirar do posterior orifício. Eles, os anfitriões destemidos, conhecem-me bem, de ginjeira, e sabem que doutra maneira dificilmente me apanhariam lá. Assim, é infalível. Ou melhor: é quase impossível resistir. Peroro à senhora Dragão e lá vamos. Depois, findo o repasto, passado pelas mandíbulas o bacalhau ou a picanha, o tinto, varrida a sobremesa, emborcado o puro malte, chega o momento (por todos) ansiado... Levanto-me e profiro, não sem uma certa solenidade: “Bem, agora, com vossa licença, vou ver que tal está o Lobo-Antunes!” E lá ficam, eles todos, a aguardar-me, impacientes, sequiosos da opinião do expert. Quando regresso, aliviado, ainda a dar o último retoque no cinto das calças, já todos me bombardeiam: “Então?! Então que tal?!”
E não raras vezes, senão por sinceridade, ao menos por cortesia, respondo: “Supimpa! O melhor Lobo Antunes dos últimos tempos. Até me assoei!...”
Entretanto, acabo de saber que vai ser editada mais uma obra de Agustina Bessa-Luís, com prefácio de Clara Ferreira Alves. Fico ansioso. Mas também preocupado. Se o romance estiver ao nível do prefácio, arriscamo-nos a deparar com um típico papel de jornal, duma flacidez exacerbada, com tendência para manchar aquilo que, estando já sujo, conviria antes que limpasse. Duvido que alguém no seu perfeito juízo, se atreva a desemporcalhar-se com tal compêndio de bacoquices.
Mas não julguem que apenas as obras nacionais usufruem destes méritos. O rol internacional é ainda mais luxuriante. Marguerite Yourcenar, por exemplo, tem edições esplêndidas –quem nunca experimentou umas “Memórias de Adriano”, em quarta edição, ou “A obra ao Negro”, da Quixote, não sabe o que é uma higiene de qualidade; e Jean Paul-Sartre, Hemingway, Durrel, Kundera e tantos outros são do melhor que alguma vez poderemos encontrar à cabeceira da retrete. A Virgínia Wolf nunca experimentei, mas, não sei porquê, palpita-me que não anda muito longe da textura duma Gata Cristhie.
Quanto à maioria do que para aí se edita e vende, do que se anuncia em promoção nas montras e catálogos, perdoem-me o cepticismo (ou a exigência), mas, acreditem-me: Não serve nem para ler, nem, tão pouco, para limpar o cu. É lixo tóxico puro!... Repassado pelos olhos da frente ou pelo de trás, pode resultar em cauterizações insanáveis! E, como se tudo isso não bastasse, junta o inútil ao desagradável: Nem as pestanas resistem, nem os pintelhos do cu batem palmas!...
Vão por mim: pode ser que se combata o fogo com o fogo; mas, decerto, não se limpam resquícios de caca com defluxos de outra caca pior ainda. Tem que ser, pelo menos, igual.

domingo, dezembro 07, 2008

O Progresso, esse come-e-caga, senhores!...

A literatura –a utopia é um dos seus ramos –, apesar de tudo, é inodora.
Quando exercem as suas contabilidades maravilhosas e espraiam os povos do mundo, as épocas e as civilizações nos seus condóminos de filigrana, em exercícios de perfeição, em manobras assépticas de aprumo, os grandes ficcionistas, do cume da sua fantasia, esquecem um pormenor sórdido mas, todavia, deveras relevante: é que tudo aquilo come, tudo aquilo caga, várias vezes ao dia, todos os dias da vida. Toda aquela salganhada produz montanhas de lixo; escava, alastra, desertifica, flui e reflui como uma praga, como uma mancha de imundície avassaladora, de efervescência corrosiva e gordurosa à digestão do cosmos. E nos intervalos desse frenético come-e-caga, não poupa horas nem minutos que não esporeie uma voraz obsessão de mais comer-e-cagar ou melhor comer-e-cagar, multiplicando-se viviparamente em renovadas réplicas iguais no apetite mas audazes e amestradas para ainda mais e melhor comerem-e-cagarem. E, se possível, vingarem os pais, avós, ou remotos parentes, desforrando-os daquilo que eventualmente, no seu tempo, não conseguiram comer-e-cagar como lhes competia e era devido. Ora, esse défice é sempre exorbitante. Quanto mais famintos e deficitários do bandulho foram esses predecessores, mais glutões e ávidos famintos se manifestam os subsequentes, os hodiernos.
E quanto mais e melhor comem, mais e pior cagam, mais se derretem literalmente em estrume, tornando-se verdadeiras máquinas merdofágicas e merdofóricas. Uma vez concentradas no bandulho, não há quem os detenha.
É este come-e-caga que fede. E é esse amontoado putrefacto que, periodicamente, bárbaros tentam varrer, porque só um bárbaro possui estômago para tal coisa. Para tão repugnante função. Debalde. A paisagem respira apenas momentaneamente, vem à tona, como os cetáceos, em captura ansiosa de fôlego para novo mergulho submarino. Em menos de nada, o come-e-caga reinstala-se, o fedor volta. Leveda, fermenta, exorbita, incha, qual torre de babel, ao assalto das estrelas. Por isso escapa à literatura, que, como qualquer um pode constatar, é inodora - e, a maior parte das vezes e dos projectos gerais de felicidade universal ao domicílio, também insípida, deliquescente.
Aquilo, o monturo, ainda por cima, liberta gases, exala fumos tóxicos, nuvens fantasmagóricas. Chame-se-lhe religião, ciência, política, pouco importa. Serve essencialmente para justificar a comezaina, o regabofe. Para anestesiar a consciência irrisória duma seita de canibais omnívoros, de comensais furiosos.

Um come-e-caga, acrescente-se, que, nos últimos tempos, se albarda e suaviza num perfeito come-e-cala.

O Pseudo-Portugal ou Das Quimeras

Tal qual o Homem tem muito a aprender com as plantas, e não propriamente com hortaliças do género nabo e abóbora que dessas já há seguidores em demasia, também a História tem com que se instruir na Botânica.
Na taxonomia, por exemplo. Cito um breve mas elucidativo caso: ao designar-se vulgarmente a Robinia, usa nomear-se essa singular espécie como Pseudo-acácia ou acácia-bastarda. Parece uma acácia, mas na verdade não é. O mesmo poderia fazer-se em relação ao Portugal pós-Dinastia de Avis. Também devia designar-se vulgarmente Pseudo-Portugal ou Portugal Bastardo.
Da mesma forma os seus habitantes seriam vulgarmente designados como pseudo-portugueses ou portugueses-bastardos.
Não digo isto com intuito desprimorante para os tais, país e habitantes (onde obviamente me incluo). Trata-se apenas de constatar, lucidamente, uma realidade. Parecem, mas não são. O país parece um país, mas não é um país; os habitantes parecem pertencer ao país, mas, de facto, pertencem de alma e coração a outros países - em seu esperto entender- mais modernos e gratificantes. Também, estruturalmente, os verdadeiros portugueses eram de cerviz altiva e braço vigoroso. Estes não, e não nos alonguemos nos detalhes por piedade. Fossem árvores e seria o mesmo que comparar a árvore de copa bem erecta e altaneira ao arbusto retorcido e rasteiro. Ou mesmo ao capim forrageiro, segundo alguns eruditos.
Poderia ainda citar outro caso sugestivo da botânica: refiro-me à enxertia.
Neste caso, talvez fosse possível entender-se o Pseudo-Portugal como um enxerto bizarro executado sobre a raiz e tronco decapitado do verdadeiro. O lastimável é que tudo indica (e daí a bizarria) que a operação equivaleu a enxertar uma silva sobre uma roseira (e não o contrário, como recomenda a arte). Prova disso são até as "rosas" actuais que não é preciso matutar muito para perceber que são, na verdade, pseudo-rosas, ou efectivamente, silvas. E quem diz as rosas, diz as laranjas e outros frutos ou flores claramente falsos ou imaginados.
Finalmente, num terceiro caso, só a título de curiosidade e ainda no campo da enxertia, lembro a chamada "quimera". Esta ocorre quando sobre um mesmo cavalo (a planta que serve de base radicular ao conjunto) se enxertam várias outras espécies e não apenas uma. Resulta daí que a mesma árvore ramifica na forma de diversas folhagens e cria frutos de diversas qualidades: poderei mostrar-vos, até num pomar aqui bem perto, laranjeiras que dão laranjas doces, laranjas amargas, limões, tangerinas, limas e goiabas. O Pseudo-Portugal seria, portanto, segundo este paradigma, uma Quimera. Com efeito, ao longo destes últimos séculos, objecto de todo o tipo de enxerto, cada qual mais extravagante e peregrino que o anterior, poderia a sua desafortunada história ser contemplada como uma sucessão de ensaios mais ou menos alucinados de po-lo a dar franceses, ingleses (na verdade, pseudo-franceses ou pseudo-ingleses), ou o que parecesse melhor e mais rentável ao fruticultor da época. Até russos tentaram. Ultimamente, parece que se tenta uma variedade híbrida de espanhol-americano. Aguardemos os frutos. Até hoje, apesar dos denodados esforços, das mais diversas podas e adubações, o mais que tem dado é bananas. É um facto que são cada vez maiores. Estas, a fazer fé no percurso e no crescimento -já por esta altura - desmesurado, devem vir a ser gigantes. Quase abóboras.
Nisto tudo, talvez haja (oxalá!) um grande exagero e lapidar crueldade da minha parte. Mas que dá que pensar, lá isso dá.

Da Prepotência (rep)

Digo e repito:
Em bom rigor, a democracia não existe. Nunca existiu. Se exceptuarmos o protótipo ateniense, com os seus escravos insolentes, o que existe –e existiu desde então, sobretudo por influência romana -, são diversos modos de tirania. Quer dizer, diferentes modalidade de exercício de prepotência. A saber, a prepotência exercida por um, ou despotismo; a prepotência exercida por vários, ou oligarquia; e a prepotência da turba, da multidão, ou oclocracia ("democracia", para o vulgo). Dito de outra maneira: a tirania pode ser, respectivamente, obtusa, difusa ou confusa. Em qualquer dos casos, um tipo decente, vertebrado, regra geral, está fodido.

O Pentágono das Bermudas

À medida que os humanos se tornam cada vez mais estúpidos, as suas armas ficam cada vez mais inteligentes. É a chamada "transferência tecnológica". E tanto assim é que, depois das bombas, disporemos em breve das "balas inteligentes" -pequenos e astutos projécteis capazes de curvas, ziguezagues e loopings, presumo.
Felizmente, as crises económicas não afectam o Pentágono. Se há coisa que a humanidade precisava como de pão para a boca ( e todos os dias implorava a Deus) era de balas sábias, balas eruditas, peritas em virar esquinas e em saltar parapeitos.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Flipping Out - Israel's Post Military Trip to India (part 1 of 6)

Graças à gentileza dum leitor, tomei conhecimento destes vídeos referentes à notícia citada no postal "Imperial Outsourcing".
Como uma imagem, dizem, vale mais que mil palavras...

Aqui fica. Com uma nota de agradecimento ao caro leitor.

Nojeira da grossa

Primeiro, o (des)Governo da República declarou que não via razões para resgatar o BPP. Depois, virou o bico ao prego e, através de engenhosices manhosas, lá mandou calcanhares ao rabo, decência às urtigas, e correu a salvar a avantesma. Pelo meio, se repararem, surgiu aquela siglazinha mágica: JP Morgan.
É a velha e inoxidável moral deste mundo imoral: os otários que paguem as crises; são muitos e já estão habituados.
Começa é a tornar-se cada vez mais incontornável: qualquer assaltante de bancos, de preferência à mão armada, caso se veja importunado pela polícia e tribunais, pode (julgo mesmo que deve) alegar legítima defesa. Além de que, doravante, se torna praticamente impossível distinguir um Banco duma Repartição de Finanças.
E não é caso para dizer que algo está podre no reino da Dinamarca, mas sim onde raio fica a Dinamarca no Reino da Podridão?!...


segunda-feira, dezembro 01, 2008

Imperial Outsourcing...

(...)

Parece que o Império vai voltar ao Outsourcing.

E já que estamos pelas bandas da Índia, aqui há tempos, esta notícia tinha-me chamado a atenção:
Comunidade interessante, esta.
E é claro que eles, à conta de tanto fumo, perdem a tramontana, mas não perdem aquele instintozinho básico tão característico:

Soldadesca avulsa e lúmpen, esta escória ressacada e tardo-hippie? Pois, pois...

«From the perspective of one former soldiers who has been living in India for more than six years and served as a commander of an Israeli elite unit...»