quarta-feira, março 25, 2009

E viva a crise!




4,5 milhões dissipados em três tempos, para glória das alcatras duma resma de inúteis, e, todavia, esqueceram o principal - e o mais urgente: electrificar as cadeiras. Com Alta tensão.

Depois são os equívocos do costume, as trocas e baldrocas da praxe: o edifício a reclamar uma simples desratização e eles, sempre com a mania dos luxos e das grandezas, toca de instalarem ar condicionado, terminais pornográficos e globos de discoteca. Agora é que hão-de ser cá uns quóruns!...

terça-feira, março 24, 2009

Shit happens. E milagres também.

«Until we recognize the Palestinians as human beings, just as we are, nothing will change.»

Pois, bem dito. Mas o problema, parece-me, não reside no facto de eles não reconhecerem os Palestinianos como seres humanos. Isso, eles até reconhecem sem grandes espinhas. O problema, se é que problema existe, é eles não se reconhecerem a eles próprios como seres humanos, mas como algo mais acima: como semideuses.
Humanos são os Goyim. Que é como quem diz, humanos são os outros. E devem ser tratados em conformidade.

Bruxo

«I Knew Bernie Madoff Was Cheating, That's Why I Invested with Him».

domingo, março 22, 2009

Surfing on USA




Larry Silverstein, ou Lucky Larry, lembram-se dele?

Pois o homem não desiste. Agora também já aderiu ao baile out-surf. O otário, vulgo contribuinte, que pague a dança.

sábado, março 21, 2009

Repórter Flash - Em Directo do Muro dos Lamentáveis


Em Maio próximo, o Papa vai visitar a Palestina, incluindo o respectivo cancro a céu aberto. Num dos recantos pitorescos deste, o Muro não sei das quantas, reina um tal rabino Rabinovitch (passe a redundância, que outra coisa não significa, presumo, senão um cúmulo de rabizice). Pois este super-rabi avisou já o sucessor de Pedro: nada de cruzes diante da santa alvenaria! Quer dizer, o Papa cristão católico pode aceder ao muro, mas desfarda-se primeiro. Só pode entrar à civil, depreendo. Conforme determina o Rabinovitch.
O Dragoscópio, sempre atento às rabinices gaiteiras que vicejam por esse mundo fora, e cada vez mais fascinado pelos acessos invariavelmente dignos e edificantes das mesmas, tratou de enviar o seu repórter especial ao local do mais recente defluxo. Onde apurou do respectivo teor e aroma.


Repórter Flash - Rabi Rabinovitsh, porque é que o Papa não pode usar a cruz ao pescoço diante do muro?
Rabi Rabinovitsh - Antes de mais, shalom! Quanto à pergunta, a resposta é simples: porque a cruz nos ofende. Ao pescoço, então, nem pensar! Se ainda fosse às costas, e em tamanho real, ainda vá que não vá... Agora, assim, ao peito, simbolicamente, em miniatura, constitui uma total falta de respeito, uma provocação ostensiva. Até porque representa, em pleno exercício, um proto-anti-semita dos mais perigosos!
Repórter Flash. - O facto do Papa ser alemão causa-vos alguma azia, alergia ou rabugice suplementar?
Rabi Rab. - Bem pelo contrário, nós gostamos muito de alemães. São os nossos maiores benfeitores. Sem eles não teria havido a Shoa (Holocausto), nem, consequentemente, o Estado de Israel.
Repórter Flash - Todavia, permitiram que um polaco (o Papa João Paulo II) visitasse este mesmo muro arvorando a cruz e agora, quando é um alemão, já estão com interdições e esquisitices!...
Rabi Rab. - Pois claro que estamos. E justifica-se plenamente. Sendo alemão, vem armado da cruz errada. Devia trazer a suástica. Ou seja, devia ostentar uma que sinalizasse a infâmia dele e não a nossa!
Repórter Flash - Portanto, com a suástica não havia problema...
Rabi Rab. - Problema havia sempre. É para isso que cá estamos, para arranjar problemas. Arranjá-los e pô-los a render juros. Mas o que havia, acima de tudo, era respeito: pela nossa casa e pela nossa religião.
Repórter Flash - Refere-se ao judaísmo?
Rabi Rab. - Judaísmo?!! Anátema! Anátema! Essa é a religião dos anti-semitas: proclamam que há judeus em todo o lado e holocausto em lado (e tempo) nenhum! Refiro-me ao Holocaustismo, ora essa!, a verdadeira religião, do Deus único e do povo eleito: Sion e o seu exército!
Repórter Flash - Em resumo, se bem o entendo: diante do Muro, o Papa que nem pense em aparecer com a cruz. E se for atrás do muro, já pode?
Rabi Rab. - Nem atrás, nem à frente, nem no raio de cem metros! A Cruz com aquele cujo nome nem me atrevo a pronunciar, nunca! (E cospe no chão três vezes).
Repórter Flash - Mas se o Papa comparecer de fato e gravata já não há problema, pois não?...
Rabi Rab. - Não. De fato e gravata, com chapéu e óculos escuros, até seria mais adequado.
Repórter Flash - Mas desde que a toilette não seja completada de qualquer enfeite menos elegante, presumo... Um brinco em forma de crucifixo, por exemplo... Ou uma tatuagem no braço, estando, ainda que momentaneamente, o Sumo-Pontífice de T-shirt, por causa da canícula.
Rabi Rab. - Ah, nem por sombras! Vamos estar atentos!... teremos câmaras e zooms por toda a parte. Nenhum ângulo será descurado!
Repórter Flash - E se o Papa vier de camuflado, com a cruz na boina ou dissimulada na heráldica do crachá (disfarçada, por exemplo, de espada ou adaga comando)?...
Rabi Rab. - Não passará! Arrisca-se mesmo a amargos dissabores.
Repórter Flash - Um solução de consenso, em que nem o Papa abdica da sua religião, nem vocês da vossa exigência estapafúrdia, seria o Papa, durante a visita, envergar uma burka por cima da farda pontifical, não?...
Rabi Rab. - Desde que não se aviste o crucifixo... Mas, ainda assim, terá que ser automaticamente revistado, de hora a hora, para ver se não transporta ou desenvolve cintos explosivos.
Repórter Flash - Bem, rabi Rabinovitch, creio que ficámos todos razoavelmente esclarecidos. Agradecemos a sua disponibilidade para esta entrevista. Só uma última questão, que até é mais uma curiosidade: com toda essa vossa crucifixofobia desvairada, vocês têm mesmo a certeza que são judeus?... Não serão antes vampiros?... É certo que se proclamam descendentes de Abraão, mas mais parecem engendrados pelo Conde Drácula, chiça.

Até que a trampa chegue à ventoinha



sexta-feira, março 20, 2009

Disparatólogos cacomantes

Ao mais alto nível (objectivamente medido no sitemeter), é claro que, além dum asnódromo, a blogosfera, também pode ser definida como um ginásio para disparatólogos - tipos que adivinham o que quer que seja com base na copromancia da sua própria emissão de disparates. O basbaque ambulante e obsessivo, como qualquer auto-estrada ou ferrovia em hora de colisão podem comprovar à exuberância, papa qualquer coisa.
Tudo isto tem tanto a ver com a verdade, como a ala dos furiosos do Hospital Júlio de Matos tem que ver com a Academia de Platão. E apenas revela dois fenómenos essenciais, inerentes e cumulativos: a) uma falta deplorável de camisa-de-vénus no respectivo pai, por alturas da concepção; b) uma ainda mais calamitosa falta de camisa-de-forças no filho, por alturas do conceito.
No tempo da outra senhora, ainda era eu menino e auferi da minha saudável dose, a analfabrutice era mais ou menos contida à força de reguadas e palmatoadas nos alunos primários. Hoje em dia, para conter minimamente a epidemia, o regime, de todo asseado e recomendável, teria que ser estendido dos alunos a praticamente todo os intervenientes na cadeia do ensino. Grande parte dos professores universitários, por exemplo, à falta de pelourinho generoso, bem reclamam um tratamento reforçado de reguada nas patorras e ponteirada enérgica pelos cornos abaixo. Até porque, nos casos mais gritantes, ao contrário dos pequenos cábulas de outrora, agravam a burrice com um vício ainda maior e mais torpe: o exibicionismo.


terça-feira, março 17, 2009

Toda a gente precisa

Para celebrar o dia mundial da Poesia, aqui fica uma oração (retirada do famoso álbum "kabaquistan" - tanto mais famoso quanto nunca editado, sublinhe-se).

À Nossa Senhora das Mordomias

(Sempre precedida de benzedura, gargarejo e pigarreação...)

Tu sabes, toda a gente precisa
Dum ídolo venal
dum ego universal
de motores rolls-royce
duma terceira chance
de aviões supersónicos
de orgasmos sinfónicos
de whisky puro malte
de louras num iate
de rubis e diamantes
de peles para as amantes
de contas na Suiça
duma alma postiça...

Não, não és só tu, mais a tua malta
os únicos a quem tudo isso faz falta
não, nota bem, faz imensa falta!
Por isso interioriza: Toda a gente precisa...

De férias nas Bahamas
de orgias romanas
de lutos nacionais
de gozos animais
de noites animadas
de boas auto-estradas
seringas esterilizadas
de coca ao domicílio
de ouro pró exílio
de órgãos suplentes
de clínicas excelentes
de mansões com piscina
de discos de platina
de ar condicionado
de bifes de veado
de tronos absolutos
de caviar e charutos...

Não, não és só tu, mais a tua malta
os únicos a quem tudo isso faz falta
não, nota bem, faz imensa falta!
Por isso interioriza: Toda a gente precisa...

De sonhos cor-de -rosa
de nóbeis pela prosa
de filhos doutorados
de dados viciados
de taças e medalhas
dum ror de outras tralhas
de jantares de homenagem
de assessores de imagem
de viagens pagas
de vidas desafogadas
de amigos mafiosos
de negócios rentosos
de direitos exclusivos
de deveres diluídos

Não, não és só tu, mais a tua malta
os únicos a quem tudo isso faz falta,
Sim, nota bem: faz imensa falta!
Por isso interioriza: toda a gente precisa.

Ámen.

segunda-feira, março 16, 2009

Coena cipriani

«According to the article, "American International Group (AIG), which has received more than $170 billion in taxpayer bailout money from the Treasury and Federal Reserve, plans to pay about $165 million in bonuses by Sunday to executives in the same business unit that brought the company to the brink of collapse last year."»

Mas o mais fascinante é a justificação para a perpétua golpada:

«In an attempt to justify the bonuses, Edward Liddy, the government-appointed chairman of AIG, said that the they're necessary in order to "keep the best executives with the company"

Pois, lemos bem: "manter os melhores executivos na empresa". Quais "melhores"? - Aqueles que conduziram a empresa ao descalabro e à falência?
Isto é muito bem capaz de conduzir-nos, um dia destes, à 6ª Lei da Ratafísica: Quanto piores, melhores!

O Quinto Evangelho

(...)
(...)


Deu-lhes a unha do dedo, eles já querem o braço. E a seguir é o resto. Que é para Sua Santidade aprender melhor as regras da natação com crocodilos.
Mas, enfim, como dizia o outro: é a vida. À falta do Império, preparemo-nos para o Quinto Evangelho. Que derroga e substitui os anteriores quatro.

Sesame Street Explains the Madoff Scandal

Nem mais.

Embora eu continue a achar que este Madoff merecia uma estátua.

sábado, março 14, 2009

O Vulcão dos Filósofos mortos






"Ninguém sabe como nasceu, nem como chegou ao mundo. Apareceu junto das margens douradas do rio Acrapas, na bela cidade de Agrigento, um pouco depois do tempo em que Xerxes bateu o mar com cadeias. A tradição conta apenas que o seu antepassado se chamava Empédocles: ninguém o conheceu. Deve sem dúvida entender-se por isso que era filho de si próprio, como convém a um Deus."

- Marcel Schwob, "Empédocles suposto Deus" (in "Vidas Imaginárias")

Empédocles foi um daqueles filósofos pré-socráticos de quem nos ficaram alguns fragmentos e muitas lendas. Crê-se que gastou grande parte da sua existência em divagações pelas proximidades do Monte Etna e lhe deu conclusão lançando-se na goela ígnea e fumegante do vulcão. A digestão do sábio pela montanha acesa terá decorrido sem problemas de maior, excepto uma sandália que o vulcão cuspiu, engasgado (ou repugnado, não se sabe bem), para servir de relíquia aos adeptos, segundo Schwob, e de lembrança aos vindouros, segundo outros.
Os vulcões, como devem compreender, não são todos iguais. Ao contrário dos católicos ou dos protestantes, enfim, dos civilizados ocidentais, que, segundo alguns entendidos, parece que o são, tirados a papel químico uns dos outros, os vulcões não. Há-os de variadas espécies, individualidades e idiossincrasias. Há vulcões, como o Etna, onde filósofos vivos, animados de uma tão súbita quão irresistível vertigem, se lançam; há vulcões, como o Vesúvio, que se lançam sobre cidades, na esperança de aí degustarem, por entre tanta gente morta, algum filósofo vivo. E há ainda uma terceira espécie, a mais bizarra e rara de todas: a dos vulcões, que deglutem (ou mascam alarvemente) filósofos mortos. São os, por assim dizer, vulcões dos filósofos mortos. Andam pelo mundo disfarçados de homens, como os deuses de antigamente, mas na verdade são vulcões - montanhas ruidosas e cuspideiras. Sabemos que estamos perante um deles quando verificamos que a erudição, em toda a linha, cede lugar à erupção. E quando, mais que pelo rumor cavo da caldeirada mineral, do guisado hermético de pedregulhos ou do estrépito típico da montanha em trabalho de parto, somos assombrados pela chuva pródiga de objectos mirabolantes e outros meteoros refugados. Sim, porque na emulação frenética do Etna de outrora com a sandália de Empédocles, também estes vulcões dos filósofos mortos regurgitam agora, regularmente, pequenos souvenires balísticos. Aqui, pasmemos, os culotes rendados de Hume; ali, com seiscentos diabos, o relógio e a camisa de noite de Kant; mais acolá, fitemos perplexos, a peruca de Descartes; lá ao fundo, ó maravilha!, o imaculado bispote de Tomás de Aquino; logo adiante, cuidado com a cabeça!, a capa de Super-Homem e o martelo de Nietzsche. Como impedir a multidão de se aglomerar, boquiaberta, na expectativa da precipitação iminente da farda castanha de Heidegger ou das jardineiras coçadas de Wittgenstein?...
Snobavam-nos os italianos por terem o Vesúvio, o Stromboli, o Etna, o Marsili, o Vulcano e mais não sei quantos e nós só termos os Capelinhos? Zombavam da nossa pelintrice açoreana? Melhor farão, doravante, em cobrir-se de inveja, raiva e vergonha. Eles têm esses todos, pois têm, mas em três milénios só vomitaram uma sandália; nós temos o Arroja e todos os dias é um guarda-roupa completo (mais toda a parafernália anexa, marroquinaria e ferramentas, a preços de ocasião!) Nele, Deus no-lo guarde e abençoe por muitos e largos anos, cada erupção não é apenas uma erupção: é uma autêntica passerelle!...
Por isso mesmo, digo e repito: as erupções do nosso Arroja, em matéria filosófica, são um espectáculo, mais que bizarro ou perigoso, pitoresco. E bem mais que merecedoras de análise, correcção ou crítica de quem passa, são dignas de turismo.
Quinhentas vezes mais estrombólico que o Stromboli nos melhores dias, portugueses, um património fenomenal destes nem pensar em destruí-lo, descaracterizá-lo ou minimamente ocultá-lo à avidez basbaque dos estranjas! Divulguem-no, isso sim! Promovam-no! Façam dele um ex libris blogonacinhal! Construam-lhe hotéis, miradouros e, vá lá, com muita delicadeza, um novo oráculo de Delfos à volta. De modo a que a Nova-Pitonisa possa entrar em transe sibilino, inalando os vapores clepto-sepulcrais e necromantes do vulcão. Pois neste, no Arroja, ao contrário do outro, como dizia o Eça, não é a bicha - lá, do eremitério das fezes - que reverbera, anima e ventriloqueja: é Apolo.





quinta-feira, março 12, 2009

5ª Lei da Ratafísica Desantropológica




- Então? Não corremos mais, agora?...
- Não, agora caímos.
- Então, mas se não corremos não existimos. Não foste tu que estipulaste o dromo-cogito, ou seja, o "corro, logo existo"? Afinal, em que é que ficamos? Desistimos (que é como quem diz: "des-existimos")?...
- Além de estúpido, crónico, tens acessos de burrice, aguda! As regras têm excepções. Esta é uma delas. Quando se cai, não se corre. Neste momento não corremos porque estamos em queda livre e quando se está em queda livre a corrida torna-se redundante e dispensável!...
- Ah, portanto, despenhamo-nos. Quer dizer, caímos num enormíssimo buraco, cratera, falésia ou abismo. É isso?
- Não, pá. Chama-se uma crise. Estamos a precipitar-nos por uma crise abaixo. Uma situação excepcional e complexa que não adianta explicar-te. Jamais entenderias.
- Mas assim, vista por dentro, deixa que te diga: parece um grande buraco. Poderá chamar-se crise, não discuto, mas é da cor dos poços imensos, tenebrosos. Todas estas trevas à nossa volta... mais parece que vamos pelo cano do infinito abaixo!... estou pasmado.
- Isso é porque estás a cair às cegas. Não compreendes. Ciclicamente, há quedas!...
- Foi pena que não te lembrasses disso antes de cairmos. Nós corríamos, num tal galope, como se nada mais houvesse, então e para todo o sempre, senão corrida e mais corrida!
- Se fossem previsíveis, as crises, não seriam crises. Nem teriam piada. A piada toda está em sermos surpreendidos por elas. É como nos filmes de terror! Toda uma volúpia do suspense, do frisson, do stress. Sem as crises, caía-se na monotonia!...
- Ah, finalmente, percebo: toda aquela correria era para nos despenhar-nos na crise!... Por conseguinte, "corro, logo existo, ou seja, vou prá crise." E, por outro lado, a queda na crise é boa porque é para nos salvar da queda má: caímos na crise para não cairmos na monotonia.
- Mais ou menos isso. A finalidade da corrida é a queda. Corremos para cair.
- Bem, então está alcançado o objectivo. Deveríamos comemorar. Todavia, estranhamente, toda esta escuridão está repleta de choro e ai Jesus-Deus nos acuda!... Em vez duma festa, mais parece um velório. Dir-se-ia que a surpresa não lhes agradou assim tanto.
- É porque são como tu: caem às cegas! De olhos fechados ou vendados.
- Bem, mas há uma certa lógica nisso, não?...
- Como assim?
- Então, uma vez que corriam às cegas, é natural que caiam da mesma maneira.
- Nem por sombras! Tu cais às cegas mas não corrias às cegas por uma razão muito óbvia e simples...
- Ah sim, qual é?
- Corrias atrás de mim. Logo não corrias às cegas: corrias atrás de mim.
- Bem, então eu corria doidamente, atrás de ti, é um facto. Tu é que corrias às cegas.
- Não eu também não corria às cegas: eu corria atrás deles.
- Óptimo, acho que percebo. Então ambos corríamos feitos doidos, eu atrás de ti e tu atrás deles: eles é que corriam às cegas.
- Nada disso. Eles corriam à nossa frente, nós corríamos atrás deles. E nós corríamos atrás deles precisamente porque eles corriam mais avançados que nós. Tornava-se impossível, portanto, não correr atrás deles. Já que eles corriam à nossa frente.
- Enfim, para não cairmos na monotonia, além da crise, caímos também na tautologia! Mas se ninguém corria às cegas, como é que agora um ror de gente cai às cegas?
- Pela mesma razão que tu cais às cegas embora não corresses às cegas: porque já não cais atrás de mim, mas à minha frente.
- Olha...pois é! Mal desatámos a cair, deixaste de estar à minha frente para passares logo para trás de mim.
- Pois, porque na queda as posições da corrida invertem-se, necessariamente. O mais avançado deixa de estar à frente para passar a estar detrás, ou seja, por cima. E o mais atrasado chega-se à frente, isto é, cai mais depressa, de modo a servir, entre outras coisas, de almofada, quando se bater no fundo.
- Muito bem, corríamos então para isto - para cair. E quando acabarmos de cair, quando batermos no fundo, o que é que fazemos?
- Batermos não: bateres. Tu é que bates no fundo; eu bato em cima de ti. Depois disso, é simples: corremos outra vez. Corremos para cair e caímos para correr de novo, é a lei das coisas. Tu, atrás de mim; e eu, à tua frente. Até à próxima crise.
- Francamente, não percebo porque é que depois desta crise não hei-de eu correr à frente. Até estou a ganhar uma certa perícia por aqui abaixo!... Só é pena esta escuridão toda que não deixa ver nada.
- Não podes correr à frente porque és um cegueta. Não terias discernimento para escolher atrás de quem é que haveríamos de correr, de modo a caírmos na crise e não na monotonia! Só eu possuo essa faculdade. Herdei-a dos meus pais, que a herdaram dos pais deles e por aí fora. Ou então comprei-a, vai dar ao mesmo. Seja como for, há prerrogativas que são pessoais e intransmissíveis. As ideias, por exemplo.
- Ah, pronto. Se assim é... Entretanto, quanto tempo é que vamos estar a cair, fazes alguma ideia?...
- Aí não há problema. Logo que iniciámos a queda, comecei de imediato a elaborar um cálculo exacto, complexo e meticuloso. A todo o momento estabeleço uma estimativa quase perfeita, que burilo, transmito e aperfeiçoo no instante seguinte!...
- Fico muito feliz. É bom saber que os mesmos que não foram capazes de prever minimamente o abismo, se sentem, em contrapartida, plenamente aptos para calcular a fundura e a duração do despenhamento. Despencados pela falésia abaixo é que se acham em excelentes condições para lhe adivinhar as medidas!...


5º Lei da Ratafísica Desantropológica: A finalidade da corrida é a liberdade. Através da queda.

terça-feira, março 10, 2009

Politicolepsia e Demorróidas (rep)



Passámos daquilo que, segundo os especialistas e tudólogos, era um país politicamente atrofiado para uma província politicamente hipertrofiada. O tremendo défice deveio enxurrada. A fome deu em diarreia. Quer dizer, se no tempo de Oliveira Salazar a política era tarefa exclusiva de um homem, hoje a política é ocupação geral e compulsiva da malta toda. E quem não a pratica, frenética e obsessivamente, lixa-se.
Nas escolas ensina-se? Não, faz-se política. Os hospitais tratam da saúde? Não, tratam da política. Os tribunais administram a justiça? Não, ajudam à política. A polícia investiga? Não, faz política. Os jornais informam? Não, fazem política. A própria tropa que, por estatuto e princípio, não devia meter-se na política, não faz outra coisa: política; ainda por cima internacional. O país inteiro anda a fazer que anda mas não anda, anda a fazer que faz mas não faz, em suma: de norte a sul ninguém faz corno de jeito porque anda tudo muito ocupado a fazer política. A Igreja faz política, a ciência faz política, os jornalistas fazem política, as universidades fazem política, o sector privado faz ainda mais política que o público, porque senão, queixam-se todos, ninguém se safa. Dos berçários aos lares da terceira idade, é política que nunca mais acaba!
Da política confinada, resvalámos assim para a política desenfreada. Antigamente tínhamos a polícia política e é o trauma, a compunção recorrente, a choraminguice militante que se celebra, semana sim, semana não. Hoje, em regime de corrimento gorjal, temos escolas políticas, hospitais políticos, tribunais políticos, forças armadas políticas, padres políticos, jornais políticos, televisões políticas, serviços de informação políticos, universidades políticas, empresas políticas, até os clubes de futebol já são meio políticos – e ninguém se queixa. Enquanto a banca der corda e a publicidade tocar a campainha, hão-de porfiar no rilhafoles.
O próprio Governo, que mais desgoverno parece, é uma redundância pegada, uma desmultiplicação clonística de um único ministério: o da política; e de um único ministro: o Primeiro. Sim, porque bem pouco se está lixando o Ministério da Educação para a educação, ou o da Justiça para a justiça, ou o da Saúde para a saúde, ou o do Ambiente para o ambiente: todos eles zelam e cuidam é da política. Não fazem outra coisa senão converter e dissolver tudo na política. Política caiada a finança. Aos baldes.
O que, de resto, cumpre uma lógica inexorável. Manhosamente, os eleitores entronizam um tipo que a única coisa que sabe fazer, após maturação intestina num país que não faz outra coisa, é política. Ninguém pode esperar que administre o país, que oriente a nação, que aprenda com o passado ou que prepare o futuro. Faz aquilo que sabe fazer, em que foi amestrado: política. Ou seja, flutua de modo a que o seu umbigo fique à tona, ao leme, ao sol. O maior número de dias possível.
Isto há-de chegar a um ponto que um tipo, um dia destes, chama um canalizador e em vez da reparação requerida, da torneira arranjada, recebe um comício. Há-de chegar, minto: já é assim. Entra-se num táxi e descobre-se um Demóstenes ao volante; vai-se ao barbeiro, e leva-se com um Catão de tesoura e pente em riste; passa-se na padaria e depara-se com uma Rosa Luxemburgo em erupção; convoca-se um limpa-chaminés e temos um Lenine de escovilhão pela certa; fugi da mulher-a-dias se não quereis aturar um Marcelo Rebelo de Sousa ao ralenti.
Os Atenienses clássicos tinham a mania dos tribunais; os romanos a tara do circo. Nós, lalonautas destravados, mascadores sonoros de crises elásticas, transformámos o país num frenético parlamento! Num palratório geral e compulsivo! Num grulhódromo desenfreado!´
É um país inteiro em demorragia oral, a entornar-se pelos cantos, a desbordar-se pelas esquinas, ruas, escadas, janelas, televisões e autocarros? Sim. Sem dúvida. E com uma grande camada de chatos, para cúmulo da comichice. E outra ainda maior de Demorróidas. Que, curiosamente, até passam por amigdalite.

domingo, março 08, 2009

O Farol dos Afundadores (rep)



Dantes, no tempo do faxismo, nas trevas da longa noite, que bem me lembro, vi com estes que a terra há-de comer, ninguém me contou, era o Benfica – o clube do regime, marca de exportação, condição de cidadania, esteio da família, totem dum povo, entusiasmo da horda, embaixadeza da pátria avulso. Agora, e cada vez mais, é o Benfica, o Sporting, o FêCêPê, o Real Madrid, o Barcelona, não já clubes de futebol, mas espécie de seitas mau-mau, futemafias, histerismo troglodita, frenesim ululante. Outrora, por causa do Benfica batiam nas mulheres e na prole menos expedita; agora são capazes de matar ao calhas – bons chefes de família alimentam fantasias de hecatombe e extermínio.
Dantes, no tempo do faxismo, era a Senhora de Fátima, o ópio do povo. Lá continua, que Deus a guarde. Sim, mas reforçada (salvo o devido respeito) pelo pastor Tadeu, pelo bispo-empresário e secretário-geral Edir Macedo, pelo professor Karamba, pelo pequeno rabi e o compadre imã, pelo grande astrólogo Mané e toda uma chusma de videntes, cartomantes, mães-de santo e padres de vão de escada (ateus incluídos) feitos carraças dum povo rafeiro. Quer dizer, ao ópio do povo, adicionou-se o haxixe do povo, a marijuana do povo, o LSD, as anfetaminas, a cocaína, a morfina, o ecstasy e o vinho a martelo do povo. Grande povo, nação valente, que além de fumar, alcançou a ampla conquista, o inalienável direito de também se charrar, injectar, encharcar, tripar, snifar com uma variedade inaudita de droguinha religiosa da boa. Alleluia!...
Dantes, no tempo do faxismo, era o Império Ultramarino e os pretos tadinhos que eram explorados, escravizados, vilipendiados e oprimidos pelo colono infestante e a metrópole sanguessuga. Agora é o Império Intramarino, onde a maioria da população, mentecaptizada por todo o sortido de antolhos, ecrãs, mamãs e arreios de andar à nora, foi despromovida a pretos, enquanto uma minoria endogâmica de luminosos e outros caga-lumes doutores se diverte e recreia a colonizar os restantes, sob a supervisão embevecida dos tutores da estranja. Agora, por conseguinte, é a própria metrópole que, um tanto ou quanto esquizofrenicamente, se divide entre micrometrópole e neocolónia. Ambas dando corpo ao Sacro Império da Mediocridade.
Dantes, no tempo do faxismo, era o fado e a Dona Amália, estátua em vida, garganta do inefável chunga, enlevo das emigrâncias. Agora, além do fado, é o pimba, e o pop, e o hip-hop, e o rap, e a martelada das discotecas. E são chusmas de vedetas, chupetas, marretas, artistas, fadistas, herpetobatas* e palhaços de vida fácil, a chocalhar piada ao quilo e graçola a metro!
Dantes, no tempo do faxismo, era o Salazar, o António que não mudava de botas. Agora são os filhos, enteados, bastardos e netos do Salazar. Todos por inseminação balnear. Eu explico: parece que os espermatozóides libertados pelo feroz ditador, aquando de casuais e solitárias práticas, saíram pela retrete, viajaram pelo esgoto e acabaram, após peripécias várias ao sabor do capricho das correntezas, nas praias do Algarve e sul de Espanha, onde, ainda vigorosos, pujantes e perfunctórios, fertilizaram os úteros em molho incauto das mães dos filhos que nos (des)governam. Só que estes, mais espertalhões e cosmopolitas, mudam de sapatos todos os dias, de carros todos os anos e de casa, ideologia, sexo e, sobretudo, patrono, então, é melhor nem falar.
Dantes, no tempo do faxismo, estavamos orgulhosamente sós. Havia a censura, o lápis azul, o exame prévio. Havia a Pide, a Mocidade e a Legião. Agora estamos vaidosamente totós, de mão estendida, cuzinho em saldo e vaselina a jeito. Há o critério editorial, a mixordice jornalística, a ordem unida da notícia. Há o Tide, detergente mental logocida, em drageia ou supositório; as telenovelas da TVI e a Chusma xenolatra, de grunhofone em riste, a acelerar e telefonar por tudo quanto é estrada, ponte e caminho, e a abrir estradas, portagens e autódromos por tudo quanto é sítio!
Digo com franqueza: nunca tive uma visão idílica do antigamente, ainda menos em termos de política interna. Mas quanto mais anos usufruo das delícias deste admirável regime novo, para grande assombro de todas as minhas células, mais virtuoso e digno o outro me parece. A única monstruosidade aberrante que jamais lhe conseguirei perdoar, foi essa, reptiliana e lorpa, de, em tão má e porca hora, ter defecado um aborto - invertebrado e pífio - destes!...
Para estes pulcros da lábia, imaculados da concepção, era uma vergonha ter colónias que nem colónias eram, mas não é uma vergonha - pelo contrário, é uma gloriosa conquista - ser uma colónia.

Simulacro de gente, país postiço, alminhas de pechisbeque - aviltamento compulsivo de navegadores, ferrabrases e poetas a asnos sublimes, putas eruditas e punheteiros do currículo!...


* Herpetobatas - o contrário de acrobatas; funâmbulos da rasteirice, ginastas da abjecção.

quinta-feira, março 05, 2009

Apologia de Sócrates



Foi, sem sombra de dúvida, um momento de rara inspiração, o outdoor em epígrafe. Ainda mais vindo de quem veio. Pingou leite, o penedo. Mas foi igualmente um caso gritante de enormíssima injustiça.
Porque Sócrates prometeu e cumpriu. Apostaria mesmo que excedeu a promessa feita. 150 mil empregos parecem-me até escassos para a cornucópia aviada.
Não é, pois, Sócrates que mente: é o povo que, além de iliteracia simples, padece de iliteracia eleiçoeira. Ou seja, além de não entender patavina das promessas literárias, compreende rigorosamente nada das promoções eleitorais.
Ora, se Margarida Rebelo Pinto ou José Rodrigues dos Santos são duma semiótica básica, mais lhana e chã é a prosopopeia de Jota Sócrates. Assim, quando Sua excelência proclamou 150 mil empregos estava plenamente ciente e compenetrado do alcance e da fiabilidade da sua promessa. Ihavé aos Hebreus não seria mais garantido. Na verdade, Sócrates sabia até que seriam muitos mais, mas não queria arriscar o escândalo. Pois se com 150 mil já é o despautério que se assiste, faria se tivesse adiantado o número exacto - aquele que, na realidade, a cada novo ano é ultrapassado num galope recordista que só visto, pois contado ninguém acredita.
Já sei que os cépticos e pirrónicos do costume, os cínicos e plebeus da ordem vão desatar com as objecções e cognofelpúcias da praxe. Que todos os dias há milhares de empregados a perderem os respectivos empregos; que todas as semanas a percentagem de desempregados aumenta, blá-blá-blá, ó-da-crise, etc, etc. Mandam-me às estatísticas e a outras partes menos obscenas e pronto, julgam que terraplenaram gengiscanamente todo este meu imaculado e benemérito raciocínio. Pobres crianças! Tristes optaplégicos fanatizados!... Como o óbvio lhes escapa! Como o banal os escalfa e transcende!...
E, no entanto, é simples. Quantos militantes tem o Partido Socialista? Pelo último orçamento, se bem leio, andará pelos 73 mil, mais coiso menos coiso. Ora, cada militante ou militanta, já não falando nos militantinhos, tem mulher (ou marido, ou ambos), filhos, filhas, sobrinhos, tios, afilhados, amázias, mancebos, amigalhaços, netinhos. Além de toda esta tropa erariofágica, o militante ou militanta (e ainda mais o militantinho) alimenta ambições, arca despesas , contrai créditos bonificados. Uma multiplicidade de casas, carros, telemóveis e respectivas tripulações, anexos e recheios requer uma multiplicidade de empregos, de avenças generosas, de fontes diversificadas e optimizadas de receita. Acham que 150 mil empregos é inacreditável, vil mentira, torpe falsidade? Multipliquem 73 mil por três, no mínimo, e tereis 219 mil. 150 mil, portanto, terá sido só no primeiro ano. Ou semestre, se tanto. Há quantos anos e semestres se governa ele e, por simpatia, governa os rosas?
É assim mais que evidente - é clamoroso! - que a meta dos 15o mil não está apenas cumprida: está largamente ultrapassada. 150 mil foi só para acudir à cova do dente. Para satisfazer toda aquela Cova da Moura cor-de-rosa, Deus meu, as centenas de milhar que não foram depois disso e serão ainda nos próximos meses criados, inventados, retropropulsionados e distribuídos! Aquilo é fome de rato, senhores! Imune ao fastio tanto quanto à saciedade.
Mas lá voltam os belicosos e caprichosos da corda: que quando o desgraçado mencionava emprego significava, impreterivelmente, acudir ao desempregado. Ai sim? Bonito argumento. Desde quando, pergunto eu, desde quando é que criar emprego significa criar trabalho ou ocupação remunerada a outras entidades que não as pessoas, que é como quem diz os humanos cidadãos duma república? Decerto não subentende providenciar formas de assalariamento mensal a bichos, plantas ou calhaus. Ora, desempregado, em Portugal, e sobretudo nos últimos vinte anos, não é gente. Tão pouco é bicho, planta ou menhir. Para catalogar com rigor, é mais da ordem do fantasma, do espectro, diria mesmo, do zombi. Em tendo mais de 40 anos, então, a carta de despedimento devia valer simultaneamente como certidão de óbito. Entra automaticamente, o infeliz contemplado, em fila-de-espera para o Além. Por esta altura do campeonato, desempregado chega a ser pior que pobre, e ambos conseguem ser ainda mais detestados e objectos de repulsa que, outrora, o leproso medieval.
Donde que, caros leitores, os desempregados ou estão mortos (embora desenterrados), ou para lá caminham. Pelo que não faz qualquer sentido, e brada ao absurdo, gastar tempo ou medidas de qualquer tamanho ou espécie com eles. Era como lançar baldes de água gaseificada ao deserto. Imagine-se até que se dá emprego a um desempregado: transforma-se, milagrosamente, a criatura num monoempregado precário. Caso para dizer: pior a emenda que o soneto. Sai do desespero para passar a viver na angústia. E no ódio. Aos desempregados mais jovens que vagam, em estado de catalepsia social, prontos para substitui-lo e apeá-lo à mínima chance, concurso ou reestruturação.
O que nos transporta, já a talhe de foice, a esta pseudo-categoria de pseudo-empregados - aqueles indivíduos que têm apenas um emprego, geralmente precário, precoce ou periclitante. Lá está, assim como os desempregados estão em lista-de-espera para a morte, estes monoempregados estão em lista-de-espera para o desemprego. Vagam aqueles num estado de semi-mortos, transitam estes na qualidade de semi-vivos. Em termos técnicos: o desemprego representa o pré-óbito; o monoemprego vale como pré-desemprego. Infelizmente a velocidade de passamento do pré-desemprego é imensamente maior que a do pré-óbito, o que resulta num aglomeramento preocupante de ex-pseudopessoas (semi-vivos convertidos em semi-mortos) à espera de enterro definitivo. Mas julgo que a eutanásia, num futuro próximo, solucionará grande parte do problema. Primeiro, quase adivinho, através da modalidade autanasiante, com a disponibilização de salas de suicídio devidamente equipadas e assistidas. Depois, até aposto, com a criação da figura jurídica do "Aborto social", ou "interrupção voluntária do cidadão", em que a sociedade, pela mão do Estado, eliminará - com anestesia e em ambiente ultrapasteurizado -, os indivíduos excedentes, descartáveis e, em suma, resistentes à emigração. No futuro, a Ciência assim o abençoe e permita, não haverá desemprego.
Voltando, todavia, ao presente, compete reconhecer que Jota Sócrates é um ser arguto, solerte, longilúparo. Além de jogger exibicionista. Tosca, pois, com a maior das finuras e pitonisices (coadjuvado pelo Avô Cantigas, a Turbo-sopeira e o Gourmet da Porcalhota, que obstáculo - ou mero embaraço - poderá ainda detê-lo na sua meteórica ascensão aos céus?) que distribuir empregos por tipos que só sabem é perdê-los constituíria grosseiro desperdício. Sobra, então, quem? Os poli-empregados, naturalmente. Aqueles senhores que conseguem, em simultâneo, com engenho e arte, pilotar dois ou mais empregos, cargos e até reformas. Os mais ínclitos de todos eles alcançam mesmo o prodígio fascinante de acumularem várias reformas e cargos activos, de preferência nas administrações de empresas. Cargos activos, esses, que, entretanto, com aqueles dotes alquímicos que só os iluminados dominam, tratam de converter em novas reformas, pré-reformas ou suaves aposentações.
Ora, o emprego e a pastorícia têm bastante mais em comum do que aquilo que, à primeira vista, se poderia pensar. Têm quase tudo. Não vá mais longe, o leitor, e imagine o seu pequeno rebento... Vai entregá-lo ao cuidado diligente de profissionais, em redis apropriados, vulgo infantários, onde se agrega a rebanho similar, ou vai depositá-lo nas mãos obscuras dum qualquer desconhecido, vagamente amador, totalmente curioso, absurdamente pára-quedista e peregrino? Pois aí tem: idêntica lógica preclara avassala o Primeiro-Ministro Sócrates. Entrega os empregos, que tão prolífica e amorosamente cria, a quem? A quem deles cuida, a quem deles está habituado a cuidar, nutrir e retirar o devido rendimento, é evidente. Entregá-los em mãos descuidadas, imperitas ou negligentes é que seria, mais que imprevidência ou descaminho da coisa pública, autêntico crime de Lesa-Razão, Ciência e ética republicana.
Da mesma forma que eu não crio um filho para o entregar à lotaria do acaso, Sua Excelência, Jota Sócrates, não cria 150 mil empregos para os delapidar ao desbarato (passe a redundância) por 150 mil incógnitas ambulantes. Dar 150 mil empregos a 150 mil pessoas é multiplicar por 150 mil os factores de risco. Daí que seja muito mais racional, prudente e ético distribui-los apenas por 15 mil. E por 15 mil, sublinhe-se e negrite-se, já devidamente abastecidas, habituadas e sobrepujantes. Ou seja, 15 mil profissionais do emprego, do cargo, da sinecura. Em contraposição a 150 mil amadores do salário, do imposto, do fantascrédito. Significa isso, sem sombra de qualquer dúvida ou suspeita, reduzir dez vezes o risco, outras dez o perigo, e ainda outras tantas a vulnerabilidade.
Acresce ainda, ao nosso Jota, um pensamento digno de um Napoleão: eu crio 150 mil empregos para profissionais. Os amadores, cada qual que crie o seu.

Se o Sócrates grego se auto-cognominou o "moscardo de Atenas", este seu homónimo lusofónico devia intitular-se "a abelha-mestra da Porcalhota".




segunda-feira, março 02, 2009

A crise compensa

«The world’s biggest banks have earned more than $900m in fees in less than four months by selling government-guaranteed bank debt to investors.

JPMorgan earned almost $130m from selling 51 bonds, while Bank of America/Merrill Lynch netted $105m in fees from 34 issues since October, according to data from Thomson Reuters and Freeman & Co»