quarta-feira, janeiro 27, 2010

Deveras ou devaras

Para que houvesse segredo de justiça, convinha, em primeira instância, que houvesse justiça. Não havendo justiça, é mais que lógico - é fatal - que não haja segredo de justiça. O que há, em compensação, é todo um segredo de injustiças, ou, mais exactamente, todo um rol de injustiças perpetradas no maior sigilo - o sigilo típico das seitas, das lojecas, das capelinhas e das amigalhaçarias (ou estrebarias sofisticadas).
Da mesma forma, para que houvesse justiça no país era essencial, antes do mais, que existisse, na realidade, um país. Ora, é bem patente que não existe. O que abunda é a desagregação, metódica, obsessiva e sistemática, dum país. O que campeia e reverdeja é uma multiplicação desenfreada de egos, ruídos, micróbios descomunais e aparelhos digestivos. Com a agravante de toda esta mixórdia enxamear em regime de absoluto despotismo, durante o dia, e de tribalismo vermicular, durante a noite.
Assim, não havendo país onde guardar a justiça, falta necessariamente esta e rarefaz-se, por inerência, o segredo nesta. Não havendo recipiente onde guardar a água potável, derrama-se o precioso líquido no chão imundo, onde, em vez de matar a sede das gentes, se converte em lama e atoleiro para o humano passante, tanto quanto em parque de recreio para o suíno residente. Exaspera-se naturalmente um onde goza bestialmente o outro.
Mas porque desaparece o país? Tal qual a função faz o órgão, faz a gente o país. Em faltando aquela, mirra este. Sumindo-se os homens, devém estéril a justiça. Ora, ao ritmo com que isto marcha, o caso é que, no balanço actual demográfico, entre bácoros e humanos, não patinam apenas estes em franca minoria: já estiveram mais longe da extinção.

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