sábado, fevereiro 20, 2010

Liberdade de Expressão - III.





«Ora, tem de admitir-se que a afirmação da liberdade é hoje particularmente difícil. A resistência requer grandes sacrifícios; por aqui se explica o número excessivo daqueles que preferem a coacção. E, todavia, uma história autêntica só pode ser feita por homens livres. A história é o selo que o homem livre imprime ao destino. Nesse sentido, ele pode, sem dúvida, actuar como representante; o seu sacrifício conta para os outros.»
- Ernst Jünger, "Der Waldgang" (trad. port. "O Passo da Floresta")


Depois, há aquilo que diz, se não estou em erro, o nosso Pessoa (como podia ter dito eu, ou, ainda mais originariamente, Aristóteles), e que as pessoas hodiernas deviam mandar emoldurar à porta de casa:
«Aos activos falta, habitualmente, a actividade superior: refiro-me à individual. Eles são activos enquanto funcionários, comerciantes, eruditos, isto é, como seres genéricos, mas não enquanto pessoas perfeitamente individualizadas e únicas; neste aspecto, são indolentes. A infelicidade das pessoas activas é a sua actividade ser quase sempre um tanto absurda. Não se pode, por exemplo, perguntar ao banqueiro, que junta dinheiro, qual o objectivo da sua incansável actividade: ela é irracional. Os homens activos rebolam como rebola a pedra, em conformidade com a estupidez da mecânica. Todos os homens se dividem, como em todos os tempos também ainda actualmente, em escravos e livres; pois quem não tiver para si dois terços do seu dia é um escravo, seja ele, de resto, o que quiser: político, comerciante, funcionário, erudito.»

Quero com tudo isto significar o simplesmente óbvio: há liberdade de expressão quando existem homens livres. É a existência do homem livre que garante a liberdade de expressão, e não a mera permissão dum qualquer estado, decreto, polícia ou entidade fiscalizadora. A liberdade, seja de expressão seja do que for, não resulta duma concessão, mas duma essência. A liberdade em regime de parque nunca é liberdade, mas cativeiro mais ou menos suavizado.
Ao homem intrinsecamente livre a última coisa que lhe ocorre é reclamar pela liberdade de expressão. Exerce-a e arca com as consequências, sabendo de antemão que, hoje como ontem e se calhar sempre, a liberdade será tudo menos inconsequente. Na verdade, reivindica ou reclama algo quem o não tem. Ora, se o não tem, o mais que alcançará será a prótese, o postiço, o faz de conta. Ou, na maior parte dos casos, a simples maquilhagem.
Capacitem-se duma vez por todas: Não há sociedades livres; há indivíduos livres. O que pode haver ou não, no âmbito colectivo, é sociedades saudáveis, que são sociedades onde a liberdade não tem a cabeça a prémio e o pensamento não está sob vigilância permanente de crescentes e profissionais hordas de procustos, prebostes e magarefes. Sanidade, essa, que, como está bem à vista de quem não for ceguinho nem alinhe em cegadas, não é, decididamente, o caso das sociedades modernas.
Por isso, e sintetizando, falar em "liberdade de expressão" para jornalistas é o mesmo que falar em "amor livre" para prostitutas. Sendo o seu ganha pão, marisco e conta bancária -ou seja, sendo o abastecedor da sua gamela, de preferência e urgência o mais dourada possível - a sua expressão será tudo menos livre. Situar-se-á até, por regra, nos antípodas disso. Isto é, em vez de "liberdade de expressão" deveria designar-se "necessidade de expressão".

Liberdade e vida são sinónimos.

«Mergulhe Zeus o meu corpo no profundo e tenebroso Tártaro e nas horrendas voragens da Necessidade! De nenhum modo conseguirá roubar-me a vida!»
- Ésquilo, "Prometeu Agrilhoado"

Quereis Liberdade de Expressão, mesmo? Olhai Sócrates! Olhai Cristo! Olhai, enfim, Prometeu.



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