domingo, maio 30, 2010

Maiêutica democrática

De Inglaterra, o berço da para-lamentação que nos desalumia e do liberdadeirismo que nos transvaza, arriba-nos mais uma história de austera e edificante moral.
Ministro pagou quarto de namorado com dinheiro do Estado.

Ou de como na espécie humana, à medida que se atrofiam os olhos da cara (por míngua, entre outras coisas, da vergonha que nela mora ausente), mais decreta e exorbita o olho do cu.

Entretanto, no Malawi fica a prova: afinal, há uma globalização que, apesar das crises (reais e imaginárias), até vai de vento em popa - a da gayzice. Mais uma vez, a lógica imaculada rege: à medida que a malha em redor do estômago e da mioleira, à escala mundial, se estreita e aperta, o freio ao olho do cu - e respectivos derivados e constelações - relaxa-se. Ou de como as comunidades locais e nacionais concretas cedem cada vez mais as rédeas a uma comunidade fictícia, inefável que ninguém sabe realmente o que seja ou quem represente: a "Comunidade Internacional".

Já entre nós, à conta de idênticos folclores, o Príncipe (retrosculado pelo lobi, presumo) transformou-se em sapo. Ou, dito por outras metáforas, a república pariu um rato.

Bom dia. O meu nome é César Augusto Dragão. Estou a ficar realmente zangado. A demolição segue dentro de momentos.

domingo, maio 09, 2010

A Natureza da Civilização (rep)


I

A vitalidade e a grandeza duma civilização, qualquer que ela seja, medem-se pela sua intolerência. Intolerância ao homicídio, ao roubo, ao incesto, à corrupção, à cobardia, à mentira, à injustiça, etc, etc. Intolerância ainda, e especialmente, à escravatura e colonização por outra cultura. Quando as civilizações começam a ser sobremaneira tolerantes não significa que são mais fulgurantes e avançadas: significa apenas que entraram em declínio e que se aproximam fatalmente da extinção. A intolerância, fundada em leis, mitos, princípios, história comum e tradições, funciona para a civilização como as defesas do organismo para o indivíduo: quanto menos tolerantes forem aos vírus e bactérias infecciosos e quanto menos indulgentes forem para com as tendências venais do próprio, mais saudável será o conjunto. No dia em que as defesas começam a confraternizar com os bacilos, a tratá-los com toda a deferência, a recebê-los em festa, sabemos o que acontece. Ou chegou a velhice, anunciando a morte; ou chegou a doença, anunciando a febre, o delírio, a náusea e o tratamento de urgência. A corrida aos médicos e remédios.
Intolerância não significa repressão. Ao contrário da manhosice freudiana que equipara civilização a repressão, a intolerância, enquanto cimento civilizacional, significa, outrossim, que a civilização é um sistema de continências, de refreamentos espontaneamente cultivados, ou seja, aprendidos, transmitidos e guardados por todos. Civilizado é aquele que honra a civilização a que pertence.
É à medida que decaem, que declinam, que perdem o vigor, que as civilizações se tornam tolerantes e, em simultâneo, repressivas. Perdido o equilíbrio, tornam-se excêntricas e caem no excesso. Aquilo que deixou de ser guardado e cultivado por todos, passa a ser policiado e imposto brutalmente por alguns. O destino último, após rixas, zaragatas e corrupções, será a desagregação.
A civilização grega era intolerante, tal qual a civilização cristã foi intolerante. No entanto, foi no auge da tolerância que Atenas condenou Sócrates à cicuta e a Santa Madre Igreja largou os cães da inquisição. Farmacon, elucidativamente, no grego original, significa "remédio" e "veneno". A corrida ao remédio, no caso das civilizações, é sempre um acto de desespero tardio. E tanto quanto a luta, anuncia o estertor.

II

Dragão menino, houve uma época em que me dediquei à colecção de pássaros. Pintassilgos, verdilhões, bicos-de-lacre, capturava-os em armadilhas de visgo e engaiolava-os durante uma temporada. Pardais, piscos, carriças, felosas era escusado. Ao contrário dos anteriores, não se aguentavam na prisão. Enmurchesciam, não comiam nem bebiam, por mais insectos ou incentivos que eu lhes desse, feneciam e morriam a breve trecho. Deixavam-se morrer, melhor dizendo. Antes a morte que tal sorte, deviam eles pensar. E, no meu modesto entender, hoje que penso nisso, pensavam bem.
Descobri assim que havia aves tolerantes e aves intolerantes ao cativeiro. As granívoras adaptavam-se com relativa facilidade, as insectívoras nem por sombras. As intolerantes eram as que tinham mais amor à liberdade. Não a uma liberdade qualquer, conceptual, inefável, retórica, mas uma realidade concreta, vital, irredutível: a sua.
Da mesma forma, apenas em palco diverso, quando os labregos caras-pálidas à conquista da Terra prometida deram com os Sioux e lhes infernizaram a vida, descobriram rapidamente que os pele-vermelhas não se aguentavam em cativeiro nem, pior ainda, serviam para trabalhar. Os índios, diabos os levassem, eram completamente intolerantes ao trabalho e à escravatura. Foi então que os colonos começaram a importar africanos, peles-escuras exóticos que, ao contrário dos pele-vermelhas residentes, eram duma tolerância magnífica à canga e ao chicote.
Uma tolerância semelhante, se bem que encoberta e edulcorada com balelas do Santo Mercado, é o que se procura e promove com a mão-de-obra emigrante destes nossos dias. É essa a tolerância-mor que se destila sob o adestramento frenético e obsessivo em todas as outras tolerâncias.
O mais engraçado disto tudo é que tinha mais civilização na unha dum pé um Sioux que qualquer um daqueles babuínos protestantes por todo ele todo abaixo. No entanto, acabaram com a civilização dos Sioux. E depois vieram acabar com a nossa. É nisso que andam.
Houve civilizações que caíram às mãos de bárbaros. A nossa, desgraçada maior, está a finar-se às patas de macacos engravatados.

sábado, maio 01, 2010

Consenso

Segundo pude perceber, chegou-se a um consenso maravilhoso entre o desgoverno internacional e o desgoverno nacional acerca da coisa, ou crise ou lá como a pintam: temos desempregados a mais e sem-abrigos a menos.