quinta-feira, maio 31, 2012

Uma reposição sempre oportuna (Emetismos vaginais)


- Senhor Doutor, dá licença que o corpo seja meu? (link para o DN, convém ler antes).

- Mas eu proibo-a dalguma coisa. Por quem é, disponha dele à vontade. Venda-o, alugue-o, hipoteque-o, faça como lhe der na real gana!...
- Então, interrompa-me!...
- Desculpe...?!
- Percebe o que eu quero dizer: extraia-me este feto inconveniente.
- Como? Extraio-lho? Então o corpo não é absolutamente seu? Não o produziu sozinha? Então extraia-o a menina. O seu corpo não tem - além de útero, clitóris e ovários - mãozinhas?! O corpo é seu, o feto é seu, pegue nas suas mãozinhas e extraia-o livremente. Se o fez sozinha, desfaça-o agora.
- O senhor doutor está a brincar com coisas sérias. A lei obriga-o a fazer-me esta lipoaspiração interna!... Este calo incomoda-me bastante. Prejudica-me a carreira. Atenta contra a minha liberdade!...
- De maneira nenhuma brinco. Estou seríssimo e compenetrado. O corpo é seu, o feto é seu, porque é que o problema há-de ser meu. Ou seja, a menina quer o corpo, arranja o feto e depois inventa descarregar o problema nos outros?!...
- É um problema social!...
- Mais parece um problema mental. E grave. Vai-me dizer a seguir que foi a sociedade que a emprenhou? Tenha paciência. Se o corpo é império exclusivo seu, ninguém tem o direito a meter o bedelho nisso. E se não o bedelho muito menos as mãos. Seria invasão da propriedade alheia. Portanto, o que a menina faz com ele é soberania e responsabilidade absolutamente sua. O outro doido dizia “O Estado sou eu”; a menina, no intervalo das bebedeiras, proclama “O Corpo sou eu!”- do Rei-Sol passamos, assim, ao Umbigo-Sol. Ou ao Clitóris-Sol, como queira. Pois que lhe faça muito bom proveito.
- Mas como quer o senhor que eu resolva isto sem ajuda médica? Promove que me dirija a um vão de escada ou a uma clínica privada? É isso? Uma clínica onde, se calhar, até dá consulta...
- Não, de todo. A minha posição é simples: visto que a menina se auto-emprenhou, então auto-despeje-se. Apenas cumpro a sua bela lógica. Ou a menina, na lógica é como em tudo na vida: gosta muito do aleive mas não quer saber das consequências?
- Se o senhor não cumpre a lei, eu... eu chamo a polícia!
- Olha que bela moral: para que a menina seja a dona absoluta do seu corpo e das birras e caprichos que nele cozinha, sou eu forçado a abdicar do meu, na ponta dos esbirros se necessário for! A liberdade plena das suas vísceras faz-se à conta da sujeição prepotente das minhas mãos e ideias. A sua liberdade floresce da abolição da minha.
- Não tergiverse nem falacione, senhor doutor! Um governo eleito, após referendo nacional, tem todo o direito de implementar as leis que a maioria da minoria votante escolheu e legitimou. O senhor está obrigado a cumprir a lei.
- A lei obriga-me? Mas alguma lei a obrigou a ficar nesse estado? Algum meliante a forçou a emprenhar involuntariamente? Então não foi no exercício da propriedade e liberdade ufana do seu corpo que lhe fez isso, ao seu principado? E agora em nome do mesmo princípio quer fazer exactamente o contrário disso? Temos aqui a Anti-Penélope: faz de noite e desmancha de dia. Lembra-me a fábula do macaco do rabo cortado: a menina quer mudar de estado à mesma velocidade com que muda de capricho!... A donzela, que não quer saber dos interesses da sociedade para nada, acha que, em contrapartida, é esta que se deve submeter ao despotismo esclarecido dos seus caprichos, isto é, das suas efervescências do momento?! Mas acha que um país é uma loja de conveniências?... Que um médico é um esteticista dos calos?
- Mas como quer o senhor doutor que eu exerça um direito que a lei me confere, se não for devidamente assistida?...
- Entenda-se com a lei: vá ter com os deputados, com os ministros, com os polícias, com os advogados e os juizes: eles que lho deram, o direito, eles que lho resolvam! Eu, de momento, não estou para aí virado. E se são os efeitos da torcida que a perturbam, resolva por baixo como é costume resolver por cima: deite os dedos ao orifício e tente irritar a goela. Afinal, no seu caso, a cloaca não há-de diferir muito da matraca.

quarta-feira, maio 30, 2012

Proibir o barbecue a canibais

A ver se entendi bem. Hoje, no palramento, extraíram a seguinte e unânime dedução: há que burilar a lei (lá vem mais decreto!) para obstar ao terrível perigo da promiscuidade entre os agentes das secretas e as entidades privadas.  Período de nojo e frito cozido. Quer dizer, 1. Os mesmos tipos que, sem qualquer pejo nem remorso, têm vivido em promiscuidade obscena com intereses e empresas privadas nos últimos decénios, vão parir mais uma lei para fortalecer o seu prórprio regime de privilégio exclusivo. E que tal começarem por dar o exemplo, nunca lhes ocorreu?;  2. No estado actual da nacinha e dos negócios em que o real problema já é a cumplicidade pornográfica dos supostos representantes do estado português (das secretas aos governos, sobretudo no pós-mandato) com interesses objectivos de estados estrangeiros - de Angola à China, passando pela Alemanha -, estão estes indivíduos muito preocupados com a promiscuidade com as entidades privadas. Caso para dizer: já o comboio vai em Badajoz e ainda estão eles a montar cancelas em Xabregas..
Corrupção? Ora, ora. Já chafurdam num nível mais abaixo: Traição. Pura e dura.

terça-feira, maio 29, 2012

O vosso agente em Havana

Em todo este alarido com o chamado caso das "secretas", às vezes, fico com a impressão de que há um certo detalhe essencial que se vê sobrevoado a grande altitude. E não se trata do prodígio assombroso de como um naco ambulatório de toucinho maquiavélico consegue alcandorar-se a um tal cargo. Até porque não é prodígio - e muito menos assombro - nenhum: é banalidade democrática e republicana. Não, nada disso. É o próprio Serviço em causa - o tal SIED, na sua natureza e missão, que me parecem olimpicamente ignorados. E a coisa é tão anedótica, que não era apenas o marteleiro Silva Carvalho que, pelos vistos, desconhecia fervorosamente a missão do Serviço que despilotava: as putativas vítimas das suas patéticas devassas também não. Como o tal director do Expresso, um tal Costa, que, em tom solene, "quer saber quem ordenou relatório".
Até eu lhe posso responder: ninguém. Ninguém poderia ter ordenado um tal relatório, porque , pura e simplesmente, um tal relatório nunca poderia ter sido executado pelo SIED. O SIED trata da informação externa - dito em termos exotéricos: espia lá fora. Quem espia cá dentro, ou controla presumíveis ameaças à segurança do Estado, é o SIS. São dois serviços diferentes, com âmbitos e missões bem separadas e delimitadas.
Portanto, a ter sido dada essa ordem, não foi uma ordem legítima. Foi, logo à partida, um ilícito criminal. Que, caso tenha sido efectivamente consumado, requereu cúmplices. Porque não foi apenas quem deu a ordem que cometeu o crime: toda a cadeia abaixo na execução também, porque todos eles sabiam que estavam a cometer um ilícito grosseiro, doloso e agravado. Mais: se a operação envolveu meios especiais de escuta, vigilância ou pesquisa, então teria que ser alguém duma determinada secção dum determinado departamento ( cujo director, por acaso, até é maçon e  amigalhaço do ex-ministro Rui Pereira).
Porém, repito e sublinho: como a ordem era ilegítima, ninguém a poderia ter dado. Ninguém a executou. O que se passa é que o edifício - ali, pró Alto do Duque, onde outrora esteve o Copcon - é muito antigo, muito labiríntico e tem muitos fantasmas. Dantes arrastavam correntes; agora escrevem relatórios.

segunda-feira, maio 28, 2012

Imunidade à metafísica

«O Homem é um animal metafísico», escreve Schopenhauer. E com isto é bem capaz de estar a sugerir a expulsão dos ingleses da humanidade. Porque  animais são, todos, sem excepção; agora metafísicos,  é que nunca ninguém viu nenhum. Claro que estou a exagerar. Filósofos é que nunca ninguém viu nenhum.
Mas logo a seguir, o bom Schopenhauer é ainda mais estarrecedor, porque lúcido: «quanto mais inferior é um homem em inteligência menos mistério encerra a existência para ele.»

De qualquer modo, para definir um inglês em geral poderíamos talvez dizer que é um animal mercantil. Já para definir um pseudo-filósofo inglês em particular (Locke, Hobbes, Mill, Spencer, Russell, um qualquer à escolha) seria bem mais simples: um animal.



domingo, maio 27, 2012

Sonhos faraónicos

Conta a mitologia grega que Zeus, para seduzir Europa, se metamorfoseou em touro branco. Três ou quatro milénios depois, a Europa, para assediar Zeus, faz-se representar por duas vacas - uma gorda e outra magra. Lembra até aquele episódio onírico do faraó...
Entretanto, a magra ter-se-á declarado mais preocupada com os desvalidos das Áfricas do que com os da Grécia. Foi mal interpretada. Entenderam que menosprezava as agruras gregas. Nada disso. Ele apenas expressou a firme intenção de tudo estar a fazer para, com a máxima brevidade, ter motivos para, pelo menos, se preocupar tanto com os gregos como com os africanos. E quem diz os gregos, diz os portugueses,  deixemo-nos de ciúmes ou invejas. De resto, a última coisa que eu recomendaria é que alguém duvidasse da seriedade e perseverança da senhora.

Introdução ao Paradoxo - IV.Da exogenia antiga à endogenia moderna




«Mas escutai as misérias dos homens; escutai como, no começo, eram eles ignorantes e os tornei cientes e senhores da sua inteligência. Digo isto sem qualquer censura aos humanos, mas só para vos mostrar como nasceram do coração as minhas dádivas. No começo, eles olhavam e não viam, escutavam e não ouviam, passavam a vida alongada e néscia como sombra de fantasias. (...) Viviam em cavernas, nas eternas trevas dos profundos antros, como formigueiros fervilhando. Faziam tudo sem entendimento, até eu lhes ensinar o nascimento e o acaso das estrelas mais difíceis de avistar. Para eles inventei o número, suprema sabedoria, e a arte de juntar as letras, memória de todas as coisas e infatigável mãe das Musas.»

- Ésquilo, "Prometeu Agrilhoado"


Este, quanto a mim,é um dos textos mais espantosos e fascinantes da nossa cultura. Em primeiro lugar, dá-nos conta duma evolução inaugural que coincide com uma progressão efectiva: a mera matéria animal adquire uma característica humana - o cavernícula torna-se homem. Mas repare-se que não é apenas uma questão de um intelecto ou espírito que lhe é concedido - é uma sensibilidade, um entendimento e uma inteligência.  Quer dizer, é  o aparato completo do pensamento que a filosofia, durante quase três milénios, não mais cessará de avaliar e prospectar nos seus limites e realizações, aparato esse, pormenor ainda mais importante, que lhe permite uma autonomia existencial e uma elevação acima da natureza. Isto é, concede-lhe uma emancipação da matéria bruta e uma capacidade de atenuação das leis e voragens da necessidade. Afinal, a dádiva é uma dádiva divina, oriunda directamente do coração de uma forma de ser superior. E não é por acaso que Prometeu, para pagar a elevação do homem se veja ele próprio, por castigo, rebaixado à condição anterior daquele. E cá voltamos nós ao paradoxo: o preço da ascensão do Homem é a queda de um Deus. Episódio que, de certa forma, se repetirá mais tarde: quando também para resgate do Homem decaído, um Deus aceitará o Calvário e o suplício da Cruz.

Entretanto, esta ideia de dávida divina como ignição antropológica também está presente noutra das principais fontes do pensamento medieval. o Génesis. Aí pode ler-se: «então o Senhor Deus formou  o homem do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida, e o homem transformou-se num ser vivo.»
De novo, a entidade divina intervém sobre a matéria bruta: conforma-a, ordena-a, anima-a. Este animá-la é, em simultâneo, dotá-lo de vida e de espírito (e note-se que no latim spiro significa respirar, como anima significa alma). Para Aristóteles, por exemplo, os animais são dotados de alma - e "animal" denota isso mesmo, algo que respira, que está animado -, mas apenas de uma "alma vegetativa", quer dizer, não possuem intelecto activo, sòmente dispõem de intelecto passivo. E não apenas os animais, alguma gente também (e não, não estou a ser sarcático: em rigor, no De Anima, Aristóteles demonstra isso mesmo: que os homens são [animais] racionais - melhor dizendo, lógicos-, mas nem todos são inteligentes. E é esta diferença fundamental  - e abissal, entre razão e inteligência, bem como respectivos objectos, que até aos dias de hoje todas as alforrecas intelectuas continuam, por paixão e impotência, a não discernir. Até porque a maior ambição da imbecilidade, tanto quanto a proliferação e o império,  consiste na hegemonia).
Bom, mas o que importa registar para o tema desta nossa demanda, é, em ambos os momentos fundantes, o carácter exógeno da especificação humana. Essencialmente, o Homem é obra de algo exterior à estrita matéria e à ordinária operação da natureza. O Homem é, bem distintamente, algo de extraordinário, de prodigioso, tal qual aparece descrito por Sófocles, na Antígona. "Muitos são os prodígios do cosmos, mas o antropos é o mais extraordinário de todos". Máxima que a tradição fundada no Génesis conduzirá a um extremo limite: "Deus disse: Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança..."
Ora, esta antropovisão reinará na tradição antiga e medieval, com cambiantes variadas, como veremos adiante. Todavia, chegados ao século XIX, o conceito de evolução terá sofrido uma revolução completa, e em vez duma antropovisão exógena celebrar-se-á uma antropovisão endógena: dum ser humano como mero resultado das operações naturais, súbdito não já de regras da ordem inteligível, mas de singulares leis da estrita função mecânica e, inerentemente, material. Ou seja, na origem, do homem, assume-se que nada houve que o elevasse ou enobrecesse acima dos outros seres vivos. Por conseguinte, à falta dum princípio superior, adoptam-se, por meios capciosos, princípios reles em cujo nome se autoriza a engendração de fins soberbos e sumptusosos: através da ciência (ela agora o novo - e usurpador imaginem de quem - prodígio dos prodígios) pode fabricar-se geneticamente uma raça pura de semi-deuses (arianos, judeus, anglosandeus, enfim, o que se queira e a hegemonia da macacada dominante do momento permita e patrocine). O extraordinário, doravante, não está mais no princípio: está no exclusivo meio e promete os mais prodigiosos fins. Só que a palavra que no grego traduz prodigioso - deynos - também significa "terrível", "funesto", "perigoso", "mau". E, como o século XX demonstrou à exaustão e o século XXI parece ainda ir provar com mais exuberância, nada de extraordinário ou digno de admiração prevaleceu.



PS: Dinossauro é uma palavra e um conceito cada vez mais sugestivo. Também ele era um "deynos" -um deynos-saurio (um sáurio terrível, assombroso)... À semelhança de Hamlet, deviamos meditar-lhe sobre as ossadas.

sábado, maio 26, 2012

O Homem desatado

Foi um dos grandes postais que passaram por esta espelunca em 2009. Podereis não acreditar, mas o que por aqui vou rabiscando, esqueço rapidamente. Não é apenas desleixo ou estupidez atávica, é sobretudo antegozo premeditado. Porque uns anos mais tarde, quando releio é como se descobrisse pela primeira vez. Melhor: é como se tivesse sido outro (e decerta forma foi) a escrevê-lo. E é só nessa altura, visto de fora, que eu consigo minimamente avaliar da grandeza da coisa. E o que desta vez encontrei foi um daqueles momentos raros em que a predisposição do escritor coincide com a prodigalidade da musa. O resultado foi o que se segue, e tem particular interesse para a série "Introdução ao Paradoxo" que vimos espraiando...





«Maldito seja o que me desatou os pés cruelmente amarrados e me salvou da morte! Em nada te estou grato; se tivesse morrido nessa altura, não teria provocado tais dores, aos meus amigos e a mim!»

- Sófocles, "Édipo Rei"


Édipo significa qualquer coisa como "pés atados" e, com isso, significa-nos também a todos nós, humanos. De facto, nascemos todos de pés atados. Não escolhemos a hora, não escolhemos a família, não escolhemos a época, não escolhemos o país, não escolhemos, em suma, nada daquilo que principiamos por ser. Deve ser por isso que o acto com que inauguramos a existência é chorar. Num ritual que, bem medidas as coisas, constitui o nosso primeiro acto de lucidez e, na generalidade dos casos, o último. Porque depois entramos no reino da fantasia - na fantasia de que, graças ao nosso desembaraço de mãos, vamos conseguir desatar os pés. Ora, é nessa fantasia, nessa prestidigitação presuntiva, promovida nos últimos séculos a delírio galopante, que reside o cerne da tragédia. E não apenas a tragédia enquanto arte teatral, mas sobretudo a tragédia enquanto vida.
O homem moderno é, essencialmente, um homem desatado. Inflou-se na fantasia que a medievalidade o atava de pés e mãos e tratou de desatar-se. Desatou, pois, em seu alucinado entender, a ser homem. A ser absolutamente homem. Homem absoluto e resoluto.
As palavras há que degustá-las e "absoluto" - do latim "ab-solvo" (separar, desligar, desembaraçar, absolver, perdoar, libertar, etc) significa precisamente esse estado de desatamento, de absolvição e desembaraço. Como "resoluto" - do latim "re-solvo" (desatar, desamarrar, dissolver, soltar, amolecer, distrair, divertir, romper, compensar), não apenas vai no mesmo sentido, como reforça e enriquece. O homem absoluto não deve nada a ninguém e o universo tudo lhe deve. Donde resulta o individuozinho egofórico do nosso tempo, simultaneamente cheio de nada porque a transbordar de si, a quem todos devem e ninguém paga, pelo menos e pelos vistos, o suficiente. Não espanta, assim, que este homem desembaraçado daquilo que lhe atava os pés - ou seja, princípios e fins seus anteriores e superiores -, se arvorasse e devotasse, por sua exclusiva e alta recreação, à principalidade e à finança, que é como quem diz, à promoção dele próprio a princípio e fonte de todos os princípios (na forma de lei); e à redução de todos os fins a uma fórmula meramente material, manipulável, açambarcável e intimamente conveniente ou tributável à precedente. E admira ainda menos que o corolário lógico duma tal besta desenfreada culmine naquele que congrega e acumula em si, à maneira de nova deidade mundana e mecânica, o princípio e o fim: o príncipe financeiro. Daí que, com inegável mérito, o expoente máximo da idade Moderna, bem acima de Descartes, Voltaires, Goethes, Beethovens, Richelieus, Fredericos ou Napoleões congéneres, pertença aos Rothschilds. Na exacta medida em que protagonizam essa amálgama triunfante de Maquiavel e plutofrenia; na esplêndida dimensão em que decantam essa nova aristocracia não já baseada no sangue mas no dinheiro, isto é, não já fundada e símbolo orgânico da reprodução natural, mas montada, esquemática e matematicamente, na desenfreada reprodução e proliferação artificiais - com a inerente usurpação do núcleo social família pelo nódulo empresa. Nem, tão pouco, já atada ao que quer que seja, passado ou futuro, mas desembaraçada de todos e quaisquer escrúpulos, deveres, responsabilidades, encargos ou cargas simbólicas.
Aristóteles, na idade clássica, e - às cavalitas dele - Tomás de Aquino, na medieval, haviam zurzido severamente a usura. "O dinheiro não faz filhos", servira de ilustração para o atestado de "desnaturação" e consequente anátema à actividade usurária. O que a idade Moderna veio demonstrar foi algo substancialmente diverso: talvez o dinheiro não fizesse filhos, mas, doravante, passava seguramente a fabricar, da noite para o dia, barões, grão-duques, príncipes, reis, imperadores e até ministros e presidentes. Ah, e claro está, semideuses acima de toda essa escumalha avulsa, súbita e alquimicamente, transmutada em novaristocracia, porque, decerto por magia, oriundos duma alfurja ainda mais abaixo: os Rothschilds.

Desengane-se, todavia, quem pensa que este é um problema e uma patologia exclusivamente modernos. Melhor dizendo: desiluda-se quem se dá à conveniência deveras repousante para a inteligência de julgar que a Idade Moderna irrompeu por geração espontânea. O protagonismo do antropóide auto-proclamado racional já vinha dos sofistas, tanto quanto o maquiavelismo avant la lettre já inquietava os trágicos. Protágoras com o seu "homem medida de todas as coisas" exemplifica o primeiro caso; Sófocles, no Filoctetes inteiro e, em boa parte, na Antígona, ilustra o segundo. E quanto à medievalidade cristã o contributo, então, foi de peso a raiar o esmagador: podemos mesmo dizer que a Idade Média se divide não em dois (Alta e Baixa) mas em três períodos: Alta, Baixa e Baixíssima (ou Abaixo de Cão). E durou não mil, mas mil e trezentos anos (mais coisa menos coisa), já que começou com a Queda do Império Romano e terminou com a Queda da Monarquia Francesa, vulgo Ancient Régime.
Cito apenas dois episódios que me parecem especialmente desedificantes.
1. Quando, no século XI, a pedido duns quaisquer monges de Bec, Anselmo de Cantuária (Santo Anselmo, para os católicos), tratou de elaborar "um modelo de meditação sobre a existência e a essência de Deus, em que tudo fosse provado pela razão", pressupunha uma espécie de "razão explicativa e fortificadora da fé", servindo esta de fundamento àquela. Mas, na verdade, estava a abrir a tampa duma certa caixa pouco recomendável. Anselmo, de facto, manifestava uma fé quase ilimitada na razão, na medida em que a razão conseguia pensar o ilimitado (e, em certo sentido, o impensável), tanto quanto definir o insondável, isto é, Deus. Daí à razão com uma fé ilimitada nela própria (pois já que conseguia pensar o infinito, a divindade, o que é que a impedia de pensar-se, ela própria, uma divindade?), foi um quase instante. Pelo que, de certa forma e ainda que involuntariamente, Anselmo de Cantuária acabou por se prefigurar como um proto-Iluminista.
2. Quando, na senda do mesmo Anselmo, e contra a tese tradicional, o Proto-Renascimento de Chartres concebeu o "Humanismo", ou seja, a crença no homem como objecto e centro da criação - aquele para quem o mundo fora realizado e estava, por assim dizer, ab ovo, prometido. Dispenso-me de esmiuçar onde este tipo de fantasia conduziu, bem como as diversas peregrinações atrozes, auto-promoções obscenas e desumanizações em side-car. O certo é que o seu contributo para aquele húmus mental que alcança um dos zénites mais fulgurantes naquela célebre frase "todos os animais são iguais, mas há uns mais iguais que outros" nunca será de menosprezar.

Resumindo, a Idade Moderna (ou Baixíssima Idade Média, como considero mais justo chamar-se-lhe), nos seus inúmeros e frenéticos teorizadores, magarefes e videntes, conseguiu desenvolver a ideia e, nela, o projecto do perfeito e acabado filho-da-puta. Mas, honra lhes seja tributada e justiça lhes seja feita, só mesmo os Rothschild tiveram a capacidade financeira para o levar a cabo. Finança, de resto, significa isso mesmo: levar a um fim. A um fim que, ninguém duvide, um dia será o nosso. Talvez então, por um abissal e terminal rasgo de lucidez, se nos revele o horror em que vagámos desatados e, como Édipo, nosso arquétipo ancestral, gastas as lágrimas genuínas por alturas do nascimento, usemos as mãos -essas mãos malditas com que nos desatámos! - para arrancar os olhos com que, toda a vida, nos cegaram. E também por nojo imenso, certamente. De nós proprios.
O homem absoluto e resoluto é também, tudo bem somado, o homem dissoluto. Começou por acreditar que o mundo lhe pertencia, lhe era devido e destinado e acaba dissolvido nele. Desfeito do corpo e liquefeito da mente, feito narciso a diluir-se num charco. O charco da sua própria, atávica, crónica e incurável estupidez.


PS: Uma ironia final. Como se diz desatamento em grego? - Analysis. Donde provém a nossa, em português, "análise". Na língua de Homero, o verbo ana-lyw significa desligar, dissolver, separar, libertar, analisar, abolir, etc. O que, curiosamente, não deixa de vir ao encontro da nossa investigação anterior: o homem desatado é igualmente o homem em perpétua análise. Uma análise que se processa, em larga medida, pela dissecação. Um homem que se dissolve auto-dissecando-se. Ou melhor: que se auto-analisa por vivissecção.

sexta-feira, maio 25, 2012

Angola (agora) é deles!...


Sinopse:  A oposição revolucionária estava reunida em casa de Casimiro Carbono, rapper, na quantidade de dez unidades. Eis senão quando, por meio de arrombamento, intrometem-se as forças contra-revolucionária, num efectivo tumultuoso de 15 gorilas; armados até aos dentes e visivelmente dispostos a tudo. Sem mais delongas nem apresentações, espancam violentamente  -podiam tê-lo feito com suavidade, alguma ternura ou mesmo uma certa meiguice, mas não, estão ali para exercer agressões físicas de primeiríssimo grau, odeiam a democracia e tomaram anfetaminas - os futuros parlamentares,. Cruelmente., com varas de ferro e requintes celerados, maltratam-nos  a eito, sem dó nem piedade, excepto, calcule-se, Casimiro, o rapper anfitrião, Ao que parece,  tinha saído para atender um  providencial telefonema (eufemismo plumitivo que significa: "tendo chibado os outros às autoridades a troco dum módica quantia, imunidade física e perspectivas douradas numa carreira meteórica, tratou de colocar-se a salvo da intempérie). Para compensar esta baixa misteriosa, o rapper Explosivo Mental faz jus ao seu nique e reage com temeridade. Passevitam-no os jagunços e acaba feito num cristo. Dizer que o puseram todo negro soaria a redundância mas atestaria, não obstante, a verdade dos factos, Segue-se um ordálio pelos hospitais públicos - onde enfermeiros torcionários  intentam prosseguir a devastação dos ninjas à paisana - até ao curativo final em clínica privada ( porque a revolução sempre tem os seus financiadores e às vezes, por antecipação estratégica, cede ao neo-liberalismo).
Bem, toda a notícia é um must.   Porém, tudo somado, ficamos na dúvida: terá sido, efectivamente,um acto feroz de repressão obscurantista ou, bem pelo contrário, uma exemplar sessão de crítica musical?

Mas pronto, Angola agora é deles e nossa é só mesmo. esta esquerda delicodoce  que nunca está satisfeita. Depois do socialismo da farinha Amparo,  barafusta e cacareja agora pela democracia instantânea.

PS: Já agora, por simples curiosidade (mas não digam a ninguém que eu disse isto!) parece que o tal Rafael Marques é financiado pela Fundação Soros. Só para orçarmos até que ponto esta revolucionite aguda que revolve as entranhas do terceiro mundo é espontânea e natural.

PSS: Mas sobre esta questão, palavra ao nosso enviado especial Riciardi, que está no terreno! O repórter Flash é já a seguir.

quinta-feira, maio 24, 2012

O nosso kantinho

Caso para dizer: o anilingus à chanceler Merkl podia ser entendido de múltiplas formas -  como passatempo, penitência, bizarria ou dictatum das circunstâncias. Mas, caramba, este tipo faz dele imperativo categórico.

Introdução ao Paradoxo - III.A nobreza do carácter antes da pureza do sangue

«Por nobre entendo aquele cujas virtudes são inerentes a uma estirpe; por de nobre carácter entendo aquele que não perde as suas qualidades naturais. Ora, a maior parte das vezes, não é isso que acontece com os nobres, pelo contrário, muitos deles são de vil carácter. Nas gerações humanas há uma espécie de colheita, tal como nos produtos da terra e, algumas vezes, se a linhagem é boa, nascem durante algum tempo homens extraordinários, depois vem a decadência. As famílias de boa estirpe degeneram em caracteres tresloucados, como os descendentes de Alcibíades e de Dionísio, o Antigo; as que são dotadas de um carácter firme degeneram em estupidez e excesso (hubris), como os descendentes de Cimon, de Péricles e de Sócrates.»

- Aristóteles, "Retórica"

"Aquele que não perde as suas qualidades" é, dito muito sucintamente (e bem adaptado aos nossos tempos) aquele que não se deixa corromper. É aquele que permanece fiel aos princípios e perseverante nos fins que esses princípios autorizam. É por isso que a nobreza é, mais que um mero existir (enquanto fruto ocasional de uma estirpe ou linhagem) , um deliberado agir. E como o acto puro está reservado para Deus, ao homem de carácter nobre resta-lhe o acto virtuoso (a coragem, a magnanimidade, a generosidade, a temperança, a equidade, etc ):. Não vou alongar-me para aqui num tratado sobre Aristóteles (assunto em que dando-me  corda correríamos o risco de só me calar por interrupção da morte), mas sempre adianto que tudo isto tem um consequência muito simples tanto quanto inexorável: a nobreza é uma característica indivídual, não é um qualidade específica suscetível de produção em série. Na verdade, não há hereditariedade garantida na própria nobreza enquanto estirpe. Não é possível, para Aristóteles, treinar ou produzir espécies (raças, traduzindo para categorias o século XIX) nobres. E a principal razão porque não é possível é porque mão é natural. As regras da fusis  são as regras do antropos. Este não está separado daquela. Apenas é possível, no melhor dos casos, instruir indivíduos. Alexandre o Grande foi a prova cabal e exemplar  disso mesmo. 
Porém, qual o termo na língua grega com que Aristóteles (e a antiguidade) designava "nobreza"?  Eugenia, nem mais. Uma palavra que, como calculam, irá fazer uma grande - e abissal - viagem...

quarta-feira, maio 23, 2012

Serenai, grunhos!...

Não temam, o Relvas não cai. Primeiro, porque para cair teria que estar de pé ou acima do chão. E segundo, porque os Angolanos não deixam.

terça-feira, maio 22, 2012

Indesejável



Acho que era no fórum da TSF. Discutia-se o pagamento de taxas moderadoras para as interruptoras voluntárias da Gravidez, vulgo abortistas, Uns que sim, outros que não, outros que talvez, outros que assim-assim, enfim, o costume destes areópagos. Até que lá surgiu a nossa esquerda partidária, pelos seus porta-vozes do momento, a proferir as costumeiras verdades de estalo. Aprimorei os aurícolos. Neste tipo de questão o chorrilho de alarvidades que os da esquerda emitem consegue esse prodígio raro de superar por larga margem os da pseudo-direita (normalmente, empatam). Não me decepcionaram. Ficou-me na memória um argumento fulgurante: que a mulher deve ter todo o direito, e a maior facilidade (senão mesmo vultuoso subsídio, ajuda de custo, prémio e indemnização) para se libertar do bebé indesejável. Se a expressão não foi exactamente essa - bebé indesejável - foi qualquer ternura equivalente.
Ora, este primoroso conceito - indesejável - deve ser o mesmo que preside ao abondono sazonal dos animais domésticos pelas auto-estradas, dos idosos nos hospitais públicos, dos maridos repentinamente desempregados, dos filhos nos inf..., bem, adiante. Uma vez indesejável, descarta-se. Despeja-se algures. Se os cães são largados à balda, ou os velhos convenientemente esquecidos, a culpa é do Estado que não providencia o devido serviço cirúrgico de interrupção. Umas injecçoezinhas piedosas, por exemplo; uns gaseamentos higiénicos, em salas devidamente assépticas, tripuladas por pessoal competente, outra justa e moderna hipótese. 
Bem, o caso é que a palavrinha - "indesejável" - não mais me largou o resto do dia. Onde é que raio eu tinha ouvido aquilo? Ouvido ou lido...
Só agora, neste póprio blogue, ao reler um postal recente, é que se desfez a incógnita:

Olha, é o Madison Grant, o livrinho de fábulas preferido do Adolfo Hitler.
E ele já avisava, quer dizer, em boa verdade, profetizava: «Esforços para preservar indiscriminadamente os bebés entre as classes mais baixas resultam frequentemente em danos sérios para a raça.»
Como já esclareci anteriormente, o termo raça varia com as necessidades - melhor dizendo, os desejos ou apetites do operador. Ponham lá "mercado", "partido" (como fazem na China, por exemplo), "saúde pública", ou mesmo, no mais rasteiro e sofisticado da coisa, "gaja", e ninguém nota a diferença. É o melhor dos mundos. Pois, oiçam só o poema e digam lá que não resume a propaganda actual: «esforços para preservar indiscriminadamente os bebés entre as classes mais baixas resultam frequentemente em danos para a gaja". Claro, tudo pela gaja, nada contra a gaja. Mas a gaja é só a cobertura, a cortina de fumo. Por trás da retórica é exactamente o mesmo neo-malthusianismo aos molhos, que tanta piedade tem aspergido no mundo.

Conclusão: nesta matéria, a nossa esquerda é, sem tirar nem pôr, nazi. Exagero? Seria neo-nazi se se limitasse a proferir, em tom alucinado, umas quantas enormidades folclóricas e, a limite, mais ruidosas que perigosas. Só que, neste caso (como em tantos outros), não vocifera apenas; não grunhe sòmente. Age. Promove. Justifica, supervisiona e santifica a matança. Organiza o extermínio. Sob o beneplácito da ciência e o chantily da razão. Não´foi só a hipótese de um futuro para milhões de pessoas que, geminada com pseudo-adversários, tratou de esterilizar na forma de país - é a hipótese da própria pessoa que trata de erradicar, freneticamente, in-utero. Portanto, não é só a usual sensiblilidade dum antropófago enxertada num chimpanzé depilado. É nazismo. Nazismo mesmo. E só não escarram, merecidamente, no espelho, porque vampiro não deixa reflexo. Ainda mais vampiro com pele de anjo.


segunda-feira, maio 21, 2012

Descubra as diferenças




a)   «Duarte Lima vai para casa com pulseira electrónica»



Está bem, o tal Machado é Neo-Nazi (seja lá o que isso for) e portanto deve permanecer internado no campo de concentração, para ver se gosta. O ideal até talvez fosse abatê-lo a tiro, para uma valeta (escavada previamente pelo próprio), pena que isso dê um bocado nas vistas, mas, com jeito, quem sabe, ainda se arranja um suicidiozito providencial. Todavia, tirando isso, enquanto cidadão português, autor de - presumo - um ou alguns crimes (já na prisão, parece que bateu no violador de Telheiras), a pergunta é simples:
Qual dos dois, o Machado ou o Lima, causou maior dano ao país, aos portugueses e, já agora, à democracia?

Sim, claro que estou a ser demagógico, leviano e superficial. Todos ainda temos bem patentes, na alma e na memória, os horrores, as atrocidades e os martírios que Portugal e os portugueses passaram às mãos dos nazis. Como somos assim uma mistura ligeiramente azeitada (e inextrincável)  de ciganos e judeus (agora, ainda por cima reforçada a catinga das áfricas), impõe-se arrecadar vitaliciamente a besta nazi. Uma vez cá fora outro projecto não o ocupará, certamente, que exterminar-nos a todos. Ninguém ficará em segurança, garanto-vos, a polícia  e os tribunais nos valham, e Santo Holocausto nos acuda!
Assim, mais uns anitos lá dentro sempre nos dá tempo, pelo menos aos desembaraçados do costume, para agenciarmos mais uns troquitos e cavarmos daqui para fora, em boa velocidade. Uns, mais dados ao neo-tropicalismo rapinante,  para junto  do Dias Loureiro ou do Zedu, em Cabo Verde ou nas Angolas;  os outros, inoxidáveis e empedernidos europeístas, para Paris, a luminosa,  fazer coro e cera com o inexpugnável Engenheiro Sócrates.

Agora a sério. O PNR (ou coisa que o valha) abriga malfeitores e delinquentes? Admitamos que sim. Que prejuízo causou o PNR ao país quando esteve no governo, nas autarquias, na Assembleia da República, na Administração Pública, na Administração das Grandes Empresas Estatais ou Pseudo-Privadas? Ah, não esteve? Mas então não foi o PNR que conduziu o país à bancarrota e à dependência externa?
Quer dizer, os malfeitores e delinquentes que se abrigaram no PNR deram mau nome ao PNR. Está bem à vista e não há coro oficial, oficioso e oficiante que o não murmure, brame e regurjite. O PNR deveio mesmo uma espécie de Geni daquela música do Chico Buarque: "deita pedra na Geni, ela é feita para apanhar, ela é boa de cuspir, maldita Geni!"
Mas os malfeitores e os delinquentes que se hospedaram e hospedam no PS e no PSD (dos anõezinhos adjacentes, nem falo) deram mau nome ao país, deram lixo e porcaria ao povo como aperitivo para a miséria, e, por fim, com a fatalidade das pragas e a desalmação das marabuntas, deram com Portugal e o futuro dos nosso filhos de pantanas. 
No mínimo, os malfeitores e delinquentes do PS e do PSD deviam fazer companhia aos delinquentes do PNR. Mas a verdade é que os poucos que, por algum mistério insondável, são vagamente arguidos, depressa vêm fazer-nos companhia, para casa. Só que mesmo nessa desconfortável situação eles ainda é de pulseira - nós, é de coleira. 

Introdução ao Paradoxo - II. A Proto-decadência

«Quem dera eu não tivesse pertencido à quinta raça de homens, mas ter morrido antes ou nascer depois. Pois agora é a raça do ferro; não mais, quer de dia quer de noite, cessaram as fadigas e as misérias de os apoquentar; e árduas penas lhes concederam os deuses. Todavia, em tudo, para estes se misturavam também bens e males. Mas Zeus destruirá também esta raça de homens mortais, quando, ao nascerem, apresentam já brancas as têmporas. Nem o pai é semelhante aos filhos, nem ao pai os filhos, nem o hóspede ao hóspede e o amigo ao amigo, nem o irmão será caro ao irmão, como era antes. E desonram os progenitores, mal eles envelhecem e censuram-nos, falando-lhes com palavras agrestes, desgraçados, que não conhecem o temor dos deuses, nem aos anciãos que os geraram dão o alimento necessário. É a justiça da força, e um saqueará a cidade do outro. Ninguém será fiel a um juramento; nem o que é justo, nem o bem, mas antes o promotor de males e o homem insolente respeitam. A justiça estará na força; e o respeito não existirá; e o malvado ofenderá quem é melhor, proferindo pérfidas palavras, que apoia com juramento. E a todos os homens, desgraçados, acompanhará a inveja, de palavra amarga, feliz com o mal alheio, de olhar sinistro. Então, a Vergonha e a Justiça, com alvas vestes ocultando o belo corpo, partirão para o Olimpo, para junto da raça dos imortais, deixando a vasta terra, abandonando os mortais.»

- Hesíodo, "Trabalhos e  Dias"

Bem, já não deve faltar muito. Embora, antes de desaparecer, a quinta raça, ou ferruginosa, tudo o indica e manifesta, ter-se-á  deteriorado numa ainda mais decadente e lastimável: a do plástico. A nossa.
Seja como for, há mais de dois milénios e meio atrás, era já esta a visão do mundo por aquele que foi um dos fundadores da  nossa "civilização". Nada animadora, convenhamos. É claro que irromperão de pronto, por esse Puguessopólis a fora, milhares de energúmeros a bramarem ruidosas refutações tecnológicas  - e a praticarem ainda mais soberbas confirmações éticas! - de tudo isto. Mas o que de antemão importa registar é este momento inaugural do conceito de Decadência. Que como veremos adiante, a própria filosofia grega corroborará; e o posterior cristianismo, por via da queda adâmica, adensará num sombrio pessimismo antropológico (neste mundo).

domingo, maio 20, 2012

Subsídios para uma criteriosa História da Filosofia


«Mas existe uma outra espécie de assassinios, que muito se manifestou nos princípios de século XVII, e que, na verdade, me surpreende: quero referir-me à eliminação física de filósofos. Porque meus senhores, é verdade que muitos eminentes pensadores dos dois últimos séculos foram mortos, ou, pelo menos, estiveram muito perto disso; de tal modo que, se um indivíduo se inculca como filósofo e jamais sofreu um atentado contra a sua vida, pode ficar certo de que de pensador nada tem; e contra a filosofia de de Locke, em particular, penso ser uma objecção responsável (se alguma fosse necessária) que, haja ele embora passeado a garganta por este mundo, durante setenta e dois anos, não tenha aparecido um homem que condescendesse em lha cortar.
(...)

Hobbes, nunca consegui perceber porquê, não foi assassinado,o que foi um erro capital, cometido no século XVII, pelos profissionais da nossa arte, pois que se trata, sob todos os pontos de vista, de um excelente alvo para homicídio, excepto, é verdade, por ser só pele e osso; posso provar que tinha dinheiro, e (o que tem muita graça) não tinha direito a opor a menor resistência, pois, de acordo com as suas próprias afirmações, existe um poder irresistível que cria as mais altas espécies de direito, de modo que constitui crime de rebelião recusar-se um indivíduo a ser morto quando uma força idónea surgir para o liquidar.»

- Thomas de Quincey, "Do Assassínio como uma das Belas Artes"



sábado, maio 19, 2012

Navio no estaleiro

Aquelas caixas de comentários, que apareceram aqui por sua alta recreação, já me estavam a contender com a paciência. (e sabemos todos que não é preciso muito para que tal aconteça). Por conseguinte, vassourada radical. Peço desculpa a todos aqueles cujos comentários foram à vida, mas confortem-se com a certeza de que foi por uma boa causa. A maior perda foi a minha, que fiquei sem o meu rico e trabalhoso template. Isto agora vai estar em obras, até que de algum modo se recupere o  ambiente lúgubre e sinistro,  essencial a qualquer pirata que se preze e indispensável ao espantamento do visitante menos audaz. 

Era outra vez o...Miranda



«Sou pimba, mas tenho um Mercedes!...»
 - Ágata, cantadeira


Ó Miranda, você não dorme, alminha!... E com tanta e suculenta minhoca que vai garimpando, em regime de frenética  empreitada, presumo que planeie, no mínimo, enriquecer com uma fábrica de hamburgueres. Ou de isco para  a pesca desportiva.
Mas elucidou com clareza esses ígnaros. De facto, Platão e Aristóteles não eram gregos ("Grécia" é, em bom rigor, uma invenção latina), nem, tão pouco, Helenos. Pois. Seguramente. Na verdade, o que eles eram mesmo, sob aquele disfarce de conveniência, era hebreus. Dos quatro costados. Toda a gente sabe: uns génios assim, tão portentosos, não poderiam advir de outra sublime extracção que não essa. Nem pode haver outra explicação.
Mas você também acordou um bocado confuso, homem. Meteu um bocado os pés pelas mãos (o que não deixa de ser natural dada essa bizarria que o distingue - de ora andar a quatro, ora  a fazer o pino)... Os pés pelas mãos, que é como quem diz, Israel pela Grécia. Ora escreva lá "Era uma vez Israel" e veja  se não faz mais sentido". Até porque não custa nada, "mais" que "nenhum" não requer grande esforço.

Agora o que não precisava, descarecia totalmente, era de informar-nos do óbvio, do mais que evidente, daquilo que já toda a gente sabe, ou seja, que você e os seus pares "Só dão atenção à Grécia porque os gregos resolveram inventar as contas públicas". Com efeito,  já todos percebemos e estamos fartos de  perceber que vocês apenas prestam atenção a trampolinices, galinheiros e falcatruas. Quando se trata de filosofia, literatura, lógica, geometria, história, enfim, da generalidade dos saberes, artes e ciências humanas, fatalmente, desligam,  bocejam... e adormecem.

Agora a sério, ó Miranda: Vá dar banho ao Mercedes!... (espero que, com todo o mérito, já tenha alcançado um; senão, as minhas condolências, e peça emprestado o da Ágata). Ou então, melhor ainda: pegue numa bela enxada e vá cultivar umas alfaces, para testar a falsificabilidade das suas lindas teorias!

PS: sou capaz de ter sido um bocado injusto com aquilo das "trampolinices, galinheiros e falcatruas". Soneguei claramente a wikipédia. E o google, meu Deus, o Google - esse oráculo dos Belfos!


Respeito pela Ginjinha



Esta, lamento muito, não posso deixar passar  incólume.

A Ginjinha do Rossio é uma insigne instituição pública - ainda mais se colocada ao lado daquele prostíbulo moral a que vossência, com laminar justeza, alude -, pelo que não merece,  nem de perto nem de longe, tal desconsideração nem menoscabo.

Também discordo, permita-me a franqueza, que toda aquela "pobreza confrangedora deslustre o sistema representativo e a democracia". Não deslustra, atesta., comprova, certifica! E não é de agora nem especialmente daqui. Já no tempo da Outra Senhora, o infeliz edifício padecia as agruras de Estábulo do Regime. Pode este mudar o que quiser que o Estábulo continua, imarcesce. Dê vossência as maiores voltas pelo mundo, debruçe as vistas até nos anglo-coisos e constatará que o nível é o mesmo. Senão pior, porque mais refinado, alambicado e, na essência, superlativamente malfazejo e corrupto. O facto das prostitutas. lá fora, se comerciarem mais caro não abona da virtude, apenas reflecte a superior prosperidade do negócio.
 
Ah, e se a " assembleia só voltará a merecer o respeito quando as lideranças partidárias estabelecerem critérios de qualidade nas listas para deputados", então, bem pode vossência deitar-se à espera. Primeiro, os partidos ainda vão ter que estabelecer critérios de qualidade para as respectivas lideranças (fenómeno em tudo equivalente à tarefa das Danaides no Hades) e o povo, numa verdadeira emulação de Tântalo, vai ter que adoptar critérios de qualidade na escolha dos seus lídimos representantes. Em resumo, com muita paciência, infinita calma, lá para dia de São Nunca à tarde.
 
Até lá, cá vamos indo - não direi como Deus mas - como a Plutoporcaria nos quer. Do fardo do Império já nos libertámos, estamos em vias de nos libertarmos do fardo da própria nação e, em troca desses  penosos fardos, adquirimos as  mimosas fardas... De internados no Campo de Concentração Global.
 
Votos de um bom e proveitoso Fim de Semana a  Vª Excª.
 
 
PS: A menina do generoso decote na foto  encheu-me de bonomia e interesse. Afinal, é a única que traja a rigor e patenteia algum imaginário préstimo.  Convida-nos à filosofia - que, de resto, significa isso mesmo: amor à Sofia.

Introdução ao Paradoxo - 1. A Definição

Em primeiro lugar, que quero eu enunciar quando digo "O paradoxo do Século XIX"?

Não se trata duma hipótese, duma suposição ou sequer duma interpretação minha de qualquer fenómeno histórico-filosófico. Trata-se, outrossim, da mera constatação dum facto a todos os títulos evidente. E superlativamente intrigante. Nessa medida converte-se num problema. Interpela-nos e questiona-nos (de repente, até pareço o Heidegger)...
Mas vamos ao facto.
No  século XIX,  a Humanidade (por interposta Europa) proclama-se como a epítome dum progresso inaudito (Hegel, Comte, Darwin, principalmente, balizam os marcos derradeiros desse maravilhoso e radioso percurso), mas, ao mesmo tempo, surpreende-se minada pela doença, consumida pela degeneração,  perigosamente ameaçada pelo exício. E este é o paradoxo. No mesmo instante em que a Humanidade se extasia pela putativa conquista do cume, abisma-se sob a vertigem do precipício que descobre, escancarado, diante de si. Ou seja, mergulha na mais pura das contradições: é a torre da evolução e o poço da decadência. Em simultâneo. Dá para avaliar da seriedade e profundidade  das belas teorias científicas e filosóficas geradas desta quimera. A bizarria e a extravagância devêm ordem do dia. E então, como se já não bastasse a luta de classes, eis que uns iluminados rivais vão desencantar aos curráis e à observação dos esqueletos a luta de raças. Uma Magna estupidez nunca vem só.
É da génese dessas ideias de progresso e decadência, tanto quanto das avenidas que abriram, que irei tratando adiante, conforme o engenho e o tempo o permitirem.

quinta-feira, maio 17, 2012

Acerca do Bem Comum

Como é que  no meio dum grande aglomerado de gente, uma autêntica e ruidosa babel, identificamos aquele que andou a advogar ou promover o Bem Comum?

É simples... Não há mesmo por onde enganar: é aquele que está, em aviltante exposição pública,  cuspido, ensanguentado, sózinho... e pregado numa cruz.

E a Verdade nunca serviu de alibi, desculpa ou resgate. Pelo contrário, funciona sempre como agravante. Por dolo e  premeditação.

quarta-feira, maio 16, 2012

Introdução ao Paradoxo

Como eu aqui expunha há tempos, a propósito de Darwin, esse filho pródigo de Malthus: "depois de introduzir a lei da selva na sociedade humana, o liberalismo materialista exportou-a para o mundo natural. Após varrer a hierarquia do céu e do mundo, tratou de extirpá-la da natureza. E nessa nova natureza igual ao mundo - entregue à pura lei do mais apto/forte, num tempo em que o dinheiro mede a força/aptidão - reimplanta o homem, agora convertido a mera proliferação desarvorada de egos. É nisso que vamos. Pelo caos a fora. "
Porque, de facto, como bem explica Radl: «É impossível compreender como poderia Darwin influir tanto nas teorias sociológicas, se não se admitir que a sua doutrina constitui, na realidade, uma sociologia da natureza, através da qual se limitou a aplicar à natureza as ideias políticas predominantes na Inglaterra do seu tempo.»

Sabe-se como tudo isto culminou, via eugenia e higienismo social, na famigerada obra de Madison Grant, "The Passing of the Great Race" (o livrinho de cabeceira de Adolph Hitler).
Nesta obra notável, onde alterna, a um ritmo constante, o anedótico mais bacoco com o profético mais inquietante, atente-se em dois outrês exemplos...

1. «In the modern and scientific study of race we have long discarded the Adamic theory that man
is descended from a single pair(...)»

Comentário: Claro, todos nós sabemos que, ainda hoje, o homem quando quer reproduzir-se não é através do cruzamento dum homem com uma mulher, ou seja, dum simples par. Nada disso. Impossível extrair um homem dum simples par. No mínimo, é necessária uma horda. De macacos, naturalmente. Reunidos em congresso evolutivo  num laboratório. Depois é só esperar calmamente que  eles, através de leis matemáticas fixas e conhecidas, pelo menos, desde Mendel, produzam um bebézinho humano. Nunca falha.  Mal de nós se não fossem os laboratórios!... Há muito estaríamos extintos.


2. «Onde o altruísmo, a filantropia ou o sentimentalismo intervêm com a melhor das intenções, e proíbem a natureza de penalizar as dasafortunadas vítimas da procriação descuidada, a multiplicação de tipos inferiores é encorajada e promovida. Esforços para preservar indiscriminadamente os bebés entre as classes mais baixas resultam frequentemente em danos sérios para a raça.
Erros no que se acredita serem leis divinas e uma crença sentimental na santidade da vida humana, tendem a impedir a eliminação de crianças deficientes e a esterilização de adultos sem qualquer valor para a comunidade. As leis da natureza requerem a obliteração dos inaptos, e a vida humana é valiosa apenas quando é útil para a comunidade ou a raça. (...)»

Comentário: É perfeitamente lógico, não é? E para que seja plenamente actual basta substituir dois ou três termos pelos seuas avatares do momento. Assim, por exemplo, onde está "adultos sem qualquer valor para a comunidade" leiam  "desempregados  de longa duração". Onde diz "natureza" substituam por "mercado". E onde reza "comunidade ou raça" justaponham "finança" ou "investidores". Vêem? Não ficou ainda mais cristalino?...

3.«Um sistema rígido de selecção através da eliminação daqueles que são fracos ou inaptos –por outras palavras, falhanços sociais -, resolverá todo o problema em cerca de cem anos, ao mesmo tempos que nos possibilitará livrar-nos dos indesejáveis que se acumulam nas prisões, hospitais e manicómios. (...) Esta é uma solução prática, piedosa e inevitável de todo o problema, e pode ser aplicada a um círculo alargado de descartáveis sociais, começando sempre pelos criminosos, os doentes e os loucos; e estendendo-se, gradualmente, aos tipos que podemos classificar mais como fracos do que como defeituosos e, talvez, por fim, às raças imprestáveis.»

Comentário: este dispensa qualquer tipo de ajuste. É duma actualidade atroz. Só aquele conceito "descartável social" é todo um hino programático.

Como eu aqui defini, justa e apropriadamente, em tempos: Malthus está em Darwin, como Darwin e Malthus estão em Grant.


Nota: Os trechos 2 e 3 são traduções minhas da referida obra (§48-49), que pode ser consultada on-line AQUI.

Este postal, mais recapitulante que inaugural, serve de introdução a um assunto que vou abordar proximamente: o Paradoxo evolutivo-decadente do Séc. XIX.







terça-feira, maio 15, 2012

Para a Guiné e em Fraqueza!...

Em 15 de Abril passado eu fazia aqui a pergunta:  a) quanto custa a brincadeira? b) quem paga? c)  quantos são os portugueses em lista de putativa espera para o heróico resgate?.

Quanto à primeira alínea, a resposta, ou coisa que o valha, aparece estampada hoje nos jornais:
«Operação militar portuguesa custou 6 milhões de euros».

Quanto à segunda, não precisam que eu vos faça o desenho, pois não?

Quanto à terceira, eu já tinha respondido então: 0. O que agora apenas se confirmou.

Há ainda uma quarta pergunta muito interessante e pertinente: quem induziu os vácuos que nos desgovernam a uma palhaçada destas? 
 - Em parte, gentinha daquele serviço que anda agora por aí muito na boca dos trombones. O tal de SI não sei quê. Necessariamente. É assim que se cozinham estas coisas. No restante, deve ster sido um daqueles desarrincanços do marteleiro Relvas: "Pedro, mandamo-los a banhos para cabo Verde, para ver se desanuviam!,,,"

Quanto a vocês, caros otários, que vos sirva de assunto de meditação: orçar a que ponto é de lata estanhada esse Estado estadão que pagais a preço de ouro. E diamantes.








segunda-feira, maio 14, 2012

Novas Oportunidades

Lembram-se, nos tempos do anterior Pinóquio, do programa Novas Oportunidades? Pois o actual Pinóquio não lhe quis ficar atrás. Também tem um programa "Novas Oportunidades". As más línguas chamam-lhe desemprego, mas isso é pura inveja: enquanto o delas não excedia a mera ficção,  já o do Coelho funciona às mil maravilhas.

No fundo, o anterior Novas Oportunidades propunha-se dotar os pacientes de diplomas duvidosos; enquanto o actual, bem mais eficaz, pretende apenas motivá-los a dotarem-se de bilhetes (de comboio, expresso rodoviário ou avião)... para o estrangeiro.

domingo, maio 13, 2012

Descolonizemo-nos!...

Parece que o José Eduardo dos Santos, perdão, os angolanos andam a comprar  empresas portuguesas a preço de saldo. Julgo tratar-se de mais uma maravilha da moderna economia pretoguesa. Ora, este tipo de lubrificação com intuitos futuros pode ter duas leituras: a realista - "mau, não tarda estão a sodomizar-nos tranquilamente!; e a liberalóide - "que bom, vão investir em nós!"

Todavia, tivessemos nós um governo vertebrado, dotado de mais que três neurónios e meio, vá lá, e estaria aqui uma bela oportunidade de negócio. Na verdade, poder-se-ia até resolver o défice duma assentada. O primeiro-ministro - um primeiro-ministro a sério . propunha ao José Eduardo dos ..., quer dizer, aos angolanos, o seguinte: Portugal inteiro, pela módica quantia de trezentos mil milhões de euros. Uma pechincha, em suma. Portugal ao preço da loja dos trezentos. O super-soba nem pestenejava: toma lá o cheque. Depois, devidamente arrecadada a massa (nunca fiando!), o Governo português - um governo a sério -, no dia seguinte, com revolucionária pompa  e libertadora circunstância, nacionalizava o país! Estão a ver? Num ápice, transformavamos o défice em superavit. E o super-soba, se protestasse que era uma roubo, um assalto, uma grandessíssima golpada, Portugal, em coro, respondia: "Então, zé, camarada, golpada? Nem por sombras, amigo: descolonização. Ou já te esqueceste?

Realmente, uma boa descolonização é o que este país está mesmo a precisar!...

sábado, maio 12, 2012

Descivilização à portuguesa



Dos vários (chamemos-lhe assim) tabus civilizacionais - mais ainda que o incesto, a pedofilia, ou o infanticídio - há um que sobremaneira me repugna: o canibalismo. Mas, bem vistas as coisas e ainda mais os tempos, sou forçado a reconhecer que é apenas mais uma prova - uma manifestação eloquente! - de como sou um indivíduo preconceituoso, obscurantista, bota de  elástico e até, a limite, faxistóide. E irrealista. Muito. Irrealista e obstinado. Todavia, decidi arrepiar caminho. Nunca é tarde para nos resgatarmos às nossas inibições, digo, erros.
Assim, de modo a compensar o mundo de todos estes meus atrasos e anacronismos, decidi lançar-me na proposta dum avanço tão natural quanto lógico. É dela que vos venho dar conta.
Como diz a Bíblia Sagrada, há um tempo para tudo. As pessoas, não sei porquê, tendem a ler o tudo como um quase-tudo, mas fazem mal: é mesmo tudo que está lá escrito. E se está lá escrito, quem somos nós para duvidarmos? Eu, por mim, deixei de alimentar dúvidas. E basta-me olhar à minha volta - ver telejornais, jornais, filmes, revistas, blogues (facebocas e twits é coisa que ainda não adquiri estômago para frequentar, mas, concluído o curso de fáquir cibernóico que venho frequentando,  lá chegarei; não percam a fé) - pois, como dizia, basta-me a realidade circundante para que uma fria e arrepiante (mas isto é só enquanto eu não me habituar) certeza me invada.
Ora, isto é como tudo: há um tempo para a subida e há um tempo para a descida; há uma tempo para a paz, e há um tempo para a guerra; há um tempo para o amor, e há um tempo para o ódio; há um tempo para o nascimento e a juventude, e há um tempo para a velhice e a morte. É uma lei eterna e imutável, esta coisa do Tempo. Por isso, capacitemo-nos: houve um tempo para a civilização e agora há um tempo para o seu contrário. Houve um tempo para erigir - e que belas catedrais e sinfonias foram capazes os homens de erguer ao céu! -mas agora está na hora de ruir, de estender passadeiras rolantes de cacos, lixos e entulhos na direcção do abismo.
Nesse sentido,  como outrora no outro, nós, portugueses, temos uma palavra a dizer. Bem, agora, não será palavra propriamente dita, será mais grunhido, guincho, ronco, stand-up comedy, ou ruído que o valha, mas o que quer que seja, convirá que nos represente condigna... neste caso, indignamente. Em suma, urge que não deixe vago o nosso lugar cativo no camarote dos acontecimentos.
Mas vamos à proposta concreta. E nada modesta, porque isso de modéstia é para irlandeses.
É verdade que tempos pedalado, regularmente, na retaguarda do pelotão da Descivilização. Enquanto outros povos e regiões se têm descivilizado a grande velocidade, nós, muitas vezes, e  até por vergonhosos períodos, temos progredido a trouxe-mouxe, quando não ziguezagueado ou patinado, gastropedicamente, numa baba morosa e embaraçante. Ao infanticídio, por exemplo, só recentemente lá chegámos - já inúmeros outros, em fogoso galope e tumultuoso sprint, tinham cortado a meta há séculos. No Terrorismo inefável, na chacina industrializada, ainda vamos a milhas. Já toda a europa e quase toda a ásia e américa descansam no hotel, saboreando as delícias da sauna e da massagem, e ainda zanzamos nós, pela encosta abaixo, perdidos no nevoeiro e desorientados na bússula. Não admira, assim, que nos olhem com desprezo e desconsideração. Por este andar, assaz lerdo e entorpecido, ainda acabamos absorvidos pelo carro vassoura da prova, e um dia destes, quando se fizer a história da Descivilização, nem uma nota de rodapé, ínfima e esquálida que seja, nos prestará memória.
Pois chegou a hora de darmos uma violenta sapatada  no pelotão! Aproveitamos o factor surpresa, e, metamorfoseando a modorra habitual num frenesim estupendo, passamos por estes descivilizados todos a jacto, que nem um foguetão infame, e encetamos uma fuga mirabolante que só não terminará em glória porque agora não é esse valor antiquado que se conquista, mas a ignóbil fama e o grunhoso sucesso. E uma pipa de massa pela vitória, olaré. Como daremos nós essa sapatada inaudita, espectacular e miraculosa? Muito simples: legalizando, melhor dizendo, restaurando o canibalismo. Atentai desde logo no primor macabro do conceito - restauração do canibalismo. Quereis expressão mais infeliz e, por isso mesmo, esplendorosamente marketil que esta?
De que forma? Ainda mais simples, lógico e moderno: vamos comer os desempregados. Já os criamos em forma de gado - como a Argentina cria bois, a austrália ovelhas ou a antártida pinguins, nós criamos desempregados,  manadas e manadas deles -, falta agora processá-los consequentemente. É um monumental desperdício de carne a que a nosa economia periclitante não se pode dar. De carne, de dinheiro e de tempo. Explico sucintamente: ao contrário dum boi ou dum porco, um desempregado, quanto mais tempo é deixado na pastagem, mais emagrece. Por uma razão muito simples: o desempregado não pasta. Monetariamente inibido, deprimido, socialmente odiado, abominado pela própria família, o desempregado perde rapidamente quase todo o interesse culinário. A tenrura original cede rapidamente passo a um intragável emaranhado de nervo e osso. Pelo que, como  é óbvio, quanto mais o tempo decorre nessa condição, de desemprego, pior. Mas, por isso mesmo, o potencial lucrativo do desempregado é imensamente maior que o de outros gados, quer bovinos, quer suínos, quer, até, avícolas. Porque dispensa, de todo, qualquer despesa com alimentação, crescimento, engorda e parque. Dispensa e desaconselha. O desempregado, por assim dizer, é uma carne instantânea: mal desponta, está logo pronta a ser processada e consumida. Esse, de resto, é o seu momento ideal de colheita e abate. Assim, convém criar mecanismos de recolha e transporte ágeis e bem organizados, entre os produtores e os matadouros municipais, de modo a que nenhuma da excelência e suculência potenciais se percam com demoras e burocracias inúteis. Para aqueles que, obsoletos e anquilosados na moral, ainda sintam algum escândalo com isto, convém que se compenetrem e desfastiem por via da imaculada e incontornável fundamentação técnica que a toda esta aparente (apenas aparente) carnificina (na etimologia, oficina de carne) preside e absolve:  Numa economia arcaica,  a finalidade dos agentes é produzir bens ou serviços necessários ou desejados pelas populações; na economia moderna, de que o novo Portugal se constitui laboratório radioso e radiante, a finalidade da economia (investimento, produção e distribuição) é produzir desempregados. Ora, é admissível que uma economia tenha por destino a mera produção de lixo e desperdício? Nem por sombras. Os desempregados não podem ser o atestado do nosso absurdo, nem o absurdo pode ser a nossa instituição. Pelo contrário, impõe-se que sejam a avenida do nosso resgate, o trampolim para a nossa salvação.
Depois... bem, depois, é todo um admirável mundo novo de possibilidades e nichos de mercado. Até porque o desempregado não é apenas imensamente mais rentável que o bovino: é imensamente e mansamente também. Um bovino ainda oferece o risco duma cornada, o desempregado nem isso. Uma semi-catalepsia tal, um torpor estuporizado de tal ordem, só encontrarão talvez paralelo nalguns passageiros de comboio por alturas do III Reich ou naqueles estúpidos pássaros dodós do tempo das navegações.
Quanto às possibilidades propriamente ditas, desde menu de atracção turística nos nossos restaurantes, hotéis e festivais gourmet, até enchidos, fumados, enlatados de exportação é toda uma cornucópia de mais-valias e lucros fabulosos ao virar da esquina. E a panacéia que não será para o défice!... O lenitivo para as contas públicas!... E a maravilhosa bomba vitamínica e anti-inflamatória para aquele Instituto usurário da Segurança Social, que, justamente, deverá gerir a exploração da coisa, como só ele sabe e a sua vocação essencial e treino o exaustivo (embora virtual, por enquanto)  reclamam!... Ah, e nunca esquecendo, o sublime paraíso terreal para as grandes cadeias de distribuição, para gáudio e orgasmo intelectual dos Mirandas todos da parolóquia.
Contudo, se há coisa que eu não pretendo substituir, nem subestimar, caros leitores, é a vossa pródiga -e geralmente faminta - imaginação.

PS: Isto não será obrigatória e exclusivamente uma indústria. Embora, no essencial, seja isso, devidamente patrulhado pela ASAE, e a bem da harmonia social,  também poderão ser implantados regimes cinegéticos especiais, nomeadamente, nos bairros mais castiços, ou até em explorações familiares, onde, como é timbre idiossincrático da nossa gente, poderão ser organizados festins populares, piqueniques e tasquinhas...  com animados abates, regadas matanças e os chamados - e tão aclamados - petiscos.


PSS: Por acaso, só de me ocorrerem cenas pitorescas de neo-varinas pelas ruas da Mouraria, rebocando, pela trela, pequenas filas de precários recentemente arruados e apregoando: "Olha o desempregado fresco! Olha o desemoregado fresco!...", até, confesso,  quase que se me humedecem os olhos. (Proibidos de pescar no mar, que alegria será assistir ao ressuscitar buliçoso dos nossos arrastões, lançando doravante as redes em terra !... E venham cá com quotas para o desempregado como vieram para a sardinha, que os nossos bravos governantes dizem-lhes das boas!).

quinta-feira, maio 10, 2012

Não é só a economia moderna e a verdade que são fáceis: a bordoada também!

Começo seriamente a suspeitar que Joaquim Couto é um heterónimo de João Miranda, ou João Miranda um pseudónimo de Joaquim Couto, ou ambos um alterónimo de Júlio de Matos que, vá lá o diabo explicar, terá encarnado pluridisciplinarmente e coiso e tal.
Vamos aos depoimentos  (ou deposturas, se preferirem)...

Diz o Couto: "Gregos votaram em partidos radicais e agora desejam um governo de consenso. Já não há paciência para acompanhar a situação política da Grécia, a verdade é muito simples de enunciar: os gregos não estão preparados para viver em democracia porque estão estupidificados."

Analisemos então esta " verdade no seu simples enunciado"  -  os gregos não estão preparados - para viver em democracia - porque estão estupidificados.
Comecemos pelo não estarem preparados. Quer dizer que têm vivido estes últimos decénios (desde que estão na Comunidade Europeia, pelo menos) em que regime? Em fascismo? Em ditadura? Em monarquia desconstitucional? E foi isso que os perverteu, imagino. Que os desadestrou, depreendo. Mas não,  oh que maçada, eles têm é pastado e transumadp freneticamente em democracia. E da parlamentar, ainda por cima. Mas então estão calejados, estão viciados, estão saturados e não estão preparados? Bem,se tanto, estarão é exaustos, não? Consumidos de tanta prática democrática. E estupidos, eventualmente, também poderão estar -  porém,  não de impreparação, mas, ao contrário, de exercício. Em todo o caso, e como o Joaquim Couto, manifesta enorme confusão nisto tudo, convirá talvez fornecer-lhe umas dicas para ver se se desenvencilha dali para fora.

Dica 1: se os gregos não estivessem preparados para a democracia nunca seria por serem estúpidos: quando muito seria por não serem ingleses; mas o mais provável seria por serem prudentes e sensatos; Até o Pedro Arroja está farto de lhe explicar isto.

Dica 2: ninguém está preparado para a democracia: caso houvesse  clarividência geral e prévia nunca existiria democracia. Em lado nenhum. Excepto Inglaterra, naturalmente. Ou na Madeira, passe a redundância.

Dica 3: Os gregos são, em larga medida, uns grandes estúpidos merecedores duns belos puxões de orelhas, mas nunca por inabilidade para a democracia: pura e simplesmente, porque a inventaram. Assim como inventaram a lógica (com as suas regras básicas do pensamento ainda actualmente em vigor), que o Joaquim Couto devia usar, mas não usa. Eu, que hoje estou benevolente, não direi que será por estupidez, nem sequer por preguiça. Direi que terá sido apenas por esquecimento.

Em todo o caso, junto com a democracia, os gregos, ao experimentarem o desespero, a desagregação e a decadência irremediável dela resultantes, deixaram um aviso que sobrevive aos séculos: a democracia não serve de antídoto à tirania - serve-lhe de maternidade; não a erradica, incuba-a.
Agora adivinhe quem é que anda há dois milénios e meio a comprovar o aviso de Platão? Fukauma-fukaduas-fukatrês!  -terminou o tempo. A resposta certa era:  História Universal.

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Entretanto, decreta o Miranda, numa das suas mais recentes alocuções às massas::




Se o Joaquim Couto se atira desastradamente aos gregos, o seu heterónimo (ou vice-versa) arremete desabridamente contra as alfaces. Mas o mais fascinante é que os termos são perfeitamente intercambiáveis: a "verdade no seu simples enunciado " do Joaquim Couto tanto funciona com gregos como com alfaces; a alface de produção fácil na economia moderna do Miranda, tanto pode ser uma alface, como uma puta, como um grego, um irlandês, um português ou até um comboio da CP.

Deve ser extremamente repousante transportar caixas encefálicas destas!...





quarta-feira, maio 09, 2012

Proa ao vento!....



Longe vão os tempos em que o Miguel, aturdido pelo canto das sereias e por visões febris típicas das latitudes panglossianas, padecia as minhas selváticas abordagens. Bateu-se sempre com galhardia, devo reconhecê-lo, coisa rara nestes tempos como naqueles e merecedora, sobre qualquer outra, da minha consideração. Não valerá muito a consideração dum velho pirata, mas não é coisa que se conquiste facilmente. O facto é que o Combustões e o seu digníssimo e talentoso autor estão de parabéns. E penso que a Cultura Portuguesa também. Sim, porque, embora proscrita e espezinhada, ainda existe uma Cultura Portuguesa.

Eu tenho uma tese, pela qual estou disposto a bater-me até à morte, de sabre nos dentes e pistolão em punho se preciso for: não existe saber onde não arde a paixão. Só sabe aquele que ama. Até porque a sabedoria só se entrega a amantes devotos. A fria objectividade é coisa de eunucos, proxenetas, burrocratas, medíocres e, sobretudo, mentirosos. De máquinas digestivas, de maridos cornúpetos, enfim. Ora, no assunto em questão, duvido que exista neste país alguém mais apaixonado que o Miguel. Dos Thais, do respectivo país e da história que tem em comum com o nosso, sei quase nada (como de tudo, aliás). Mas no dia em que eu me interessar por essa questão, uma coisa é certa: é ao Miguel Castelo-Branco que irei perguntar.
Sinceros votos do maior sucesso e justo reconhecimento para a publicação em curso!

Quanto ao resto, às nossas lendárias e fragorosas batalhas, é com algum pesar e nostalgia que as mal vislumbro perdidas para sempre na névoa do tempo, tremeluzindo já distantes, esvaídas, fantasmagóricas, encalhadas num passado remoto e, pressinto, irrecuperável. Pois a verdade é que, ao Miguel, que acompanho com a regularidade possível, já o vi mais longe - imensamente mais! - de içar, ele próprio, o pavilhão negro.

terça-feira, maio 08, 2012

O triunfo da suinicultura

»O cristianismo envolve três elementos: o dogma, a fé propriamente dita, e a atitude emocional resumida nessa fé. Ora o protestantismo substitui ao dogma a fé. Qual seria a evolução seguinte do cristianismo? A substituição do espírito cristão, puro e simples, à própria fé que o representa. Vimos já que esse espírito cristão é, na sua essência, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Daí a Revolução Francesa estar na linha da evolução religiosa do cristianismo. Esse movimento segue-se logicamente ao protestantismo. A Revolução Francesa é a Nova Reforma.
As ideias democráticas são cristianismo puro. Como tal pertencem ao espírito cristão. Como tais, são inimigas do catolicismo, que é o dogma, a parte mais dura e rígida do cristianismo; como o protestantismo, erguendo-se pela fé, foi contra o espírito católico.
A Europa é cada vez mais cristã. Cada vez mais abandona a letra do Cristianismo e se aplica ao seu espírito. Todo o fanatismo, toda a intolerância, toda a confusão mental, a sentimentalidade doentia dos democratas, mostram bem a base doentiamente religiosa do seu sistema.
Ora a nossa civilização, se bem que cristã de natureza, repousa sobre uma outra base, que não o cristianismo. Todo o nosso trabalho mental, toda a nossa disciplina de espírito, toda a alma da nossa jurisprudência, o âmago do nosso modo de governar assentam numa base - o espírito pagão - a cultura grega e a administração romana. Nascido, como foi, na decadência do império romano, o cristianismo é um paganismo decadente. Quanto mais cristão se torna, quanto mais se afasta do paganismo - isto é, do catolicismo, que é abundantemente pagão, sobretudo pelo ritual - tanto mais o cristianismo se afirma decadente e doentio.(...)
Na linha da evolução cristã, vimos que estão a Reforma e a Revolução Francesa. A Revolução Francesa resultou da penetração da França pelo espírito protestante, quer através do suíço Rousseau, quer através da furiosa anglofilia do século XVIII  em França.»

- Fernando Pessoa , "Páginas de Sociologia Política"

Em resumo, segundo Pessoa, o cristianismo quanto mais "evoluído", mais  deteriorado. E a actualidade não parece desmenti-lo. Antes pelo contrário Aliás, um .pouco como o europeu: quanto mais sofisticado, a transbordar modernidade da dentuça para fora, mais fanático, mais intolerante e mais alienado.

segunda-feira, maio 07, 2012

Grandezas há muitas! Sobretudo, anãs.

Bem, ó Zazie,  cara amiga, e onde é que o termo "Pingo Doce" aparece escrito no meu inefável texto, hein?...  Mas já que te pôes com dúvidas e tergiversúcias, sempre te digo que o Pingo Doce é uma grande superfície e das piores, porque não ataca  apenas em modo calmeirão (como nas Telheiras, ou em Odivelas, por exemplo): ataca e infesta também às mijinhas, aos bochechos, mascaralhado de macro-mercearia de bairro. Em Campo de Ourique, um digno bairro, chega a haver dois. Mas vou mais longe: excepto nos víveres, onde tal seria humanamente impossível, e desumanamente também, o Pingo Doce consegue ser  ainda mais venenoso que o Continente: ataca em alcateia, opera em teia. O Continente cerca as cidades, o Pingo Doce mina-as.  Do ponto de vista do comércio, aquele representa a barbárie; este, o cancro metastisado. E quem diz o Pingo Doce, diz o Minipreço ou o Lidl, dois escantamentos urbanos da mesma igualha (embora menos virulentos). Uma coisa que eu não entendo nos cabrões dos merceeiros de Lisboa, os típicos, os tradicionais, é porque é não põem bombas naquela merda! Já não há galegos, é o que é. Por via das dúvidas, mandei o Ildefonso Caguinchas, feito repórter Flash, perguntar-lhes a razão para uma tal bizarria inexplicável. Voltou desolado e de mãos a abanar. Diz ele que não encontrou um único merceeiro disponível. Tinham ido todos às putas, ao Porto. O resultado dessa aventura mirabolante, à espera de testes de ADN, é toda uma prole de abortinhos tagarelas a escrevinharem blogues anarco-capitalistas. Onde é que este mundo vai parar?

E isto não fica assim. Terás mais notícias minhas!...    :O)

domingo, maio 06, 2012

Latagão legal

Segundo o Joaquim, que agora também é Couto, fico a saber duma petição embrionária. Mas, mais que isso, tomo conhecimento de que "a ilegalização das vendas com prejuízo" o repugna, pois, conforme certifica: "Viola a livre iniciativa, o mercado e a concorrência, prejudicando, em última instância, os consumidores."

Muito bem dito. Apoiado! A mim, além de me repugnar, enfurece-me, enoja-me, impregna-me dum elevado asco, essa tal ilegalização, diabos a levem!... Sobretudo, estando em causa as grandes superfícies comerciais, essas novas-Mecas (ou Barda-Mecas ) do santíssimo consumo. Nesses templos abençoados, e nestes tempos difíceis, juro-o aqui solenemente, as "vendas com prejuízo" não deviam ser apenas legais: deviam ser obrigatórias. E permanentes! E aqueles sumptuosos parques não deviam estar apenas abertos aos dias úteis, sábados, domingos e feriados... Não senhor, deviam abrir dia e noite, crepúsculo e madrugada, almoço e jantar, sempre a vender, sempre a saldar. Com prejuízo, naturalmente. Com enormes prejuízos, melhor dizendo, por via de promoções de arromba e descontos em catadupa!
Permito-me sublinhar e extrapolar o maravilhoso e a perfeição dum tal regime: se a ilegalização das vendas com prejuízo viola a livre iniciaticva, o mercado e a concorrência ( e viola, brutalmente), prejudicando, em última instância, os consumidores (desgraçados, cristos!), então a obrigatoriedade, ao invés, desposa amorosamente a livre iniciativa, o mercado e a concorrência (por turnos, bem entendido), beneficiando, em primeira instância, os consumidores. Se isto não é o paraíso terreal, vou ali e já venho!...
Portanto, ó Joaquim Couto, não se fique pela peticinha: vá mesmo para a petição! Apenas autorizados, não: OBRIGATÓRIOS!!