segunda-feira, maio 21, 2012

Introdução ao Paradoxo - II. A Proto-decadência

«Quem dera eu não tivesse pertencido à quinta raça de homens, mas ter morrido antes ou nascer depois. Pois agora é a raça do ferro; não mais, quer de dia quer de noite, cessaram as fadigas e as misérias de os apoquentar; e árduas penas lhes concederam os deuses. Todavia, em tudo, para estes se misturavam também bens e males. Mas Zeus destruirá também esta raça de homens mortais, quando, ao nascerem, apresentam já brancas as têmporas. Nem o pai é semelhante aos filhos, nem ao pai os filhos, nem o hóspede ao hóspede e o amigo ao amigo, nem o irmão será caro ao irmão, como era antes. E desonram os progenitores, mal eles envelhecem e censuram-nos, falando-lhes com palavras agrestes, desgraçados, que não conhecem o temor dos deuses, nem aos anciãos que os geraram dão o alimento necessário. É a justiça da força, e um saqueará a cidade do outro. Ninguém será fiel a um juramento; nem o que é justo, nem o bem, mas antes o promotor de males e o homem insolente respeitam. A justiça estará na força; e o respeito não existirá; e o malvado ofenderá quem é melhor, proferindo pérfidas palavras, que apoia com juramento. E a todos os homens, desgraçados, acompanhará a inveja, de palavra amarga, feliz com o mal alheio, de olhar sinistro. Então, a Vergonha e a Justiça, com alvas vestes ocultando o belo corpo, partirão para o Olimpo, para junto da raça dos imortais, deixando a vasta terra, abandonando os mortais.»

- Hesíodo, "Trabalhos e  Dias"

Bem, já não deve faltar muito. Embora, antes de desaparecer, a quinta raça, ou ferruginosa, tudo o indica e manifesta, ter-se-á  deteriorado numa ainda mais decadente e lastimável: a do plástico. A nossa.
Seja como for, há mais de dois milénios e meio atrás, era já esta a visão do mundo por aquele que foi um dos fundadores da  nossa "civilização". Nada animadora, convenhamos. É claro que irromperão de pronto, por esse Puguessopólis a fora, milhares de energúmeros a bramarem ruidosas refutações tecnológicas  - e a praticarem ainda mais soberbas confirmações éticas! - de tudo isto. Mas o que de antemão importa registar é este momento inaugural do conceito de Decadência. Que como veremos adiante, a própria filosofia grega corroborará; e o posterior cristianismo, por via da queda adâmica, adensará num sombrio pessimismo antropológico (neste mundo).

2 comentários:

Duarte Meira disse...

Dragão:

Mais uma excelente, e surpreendente, citação, depois da do esquecido de Quincey (dos livros negros da Série B, da velha editorial Estampa) e do Madison Grant (onde acertou em cheio no que hoje se anda pela calada a tratar de executar). Só o meu caro é que hoje se lembraria de tais abencerragens. -

« ... quando, ao nascerem, apresentam já brancas as têmporas... » ... E não é que já os temos aí, novos e já cansados, murchos, envelhecidos e envilecidos ? Arrepiante.

Vamos lá ver o que mais dará esta sua prometedora série.

Não compartilho é das tiradas anti-judaicas em que o meu caro se desfaz e desmanda amiúde. Até porque, como diz, os portugueses têm tanto ou mais de mendes que de mendo.

O Dragão faz os judeus tão maus, tão maus que... até parece que são uma raça marcada... Escolhida!...

Mas isto será assunto para outro ciclo, onde muito estimaria nos descobrisse de forma igualmente tanto quanto possível ordenada e sistematizada, as razões (ou são só motivos psicológicos)do seu incómodo judaico. (Um bom bom ponto de partida, se me permite e já que o mencionou, seria medir as distâncias que vão dos primeiros caps. do Genesis para os outros mitos etiológicos que temos da história cultural da humanidade...)

dragão disse...

Duarte,

acredite que não há nenhum incómodo judaico. Até porque judeus é como chapéus: há muitos. Não os acho mais antipáticos do que saxões, por exemplo. Mas é preciso cuidado com essas generalizações. Eu às vezes hiperbolizo, mas nem é tanto por causa dos judeus, é mais por causa dos fariseus.