sexta-feira, fevereiro 20, 2015

Do vexame ao vício




«...Em 18 de Abril de 1928, sendo já presidente da República Carmona e do Conselho Vicente de Freitas, este mandou a Coimbra dois oficiais da guarnição de Viseu para convidar, ou quase obrigar, Salazar a aceitar de novo a pasta das Finanças. Sinel de Cordes não se entendia já com a confusão e o descalabro orçamentais. Pensava-se já, inclusivamente, em recorrer a um empréstimo externo: pedir á Sociedade das Nações em Genebra um empréstimo, mas que esta só aceitava mediante condições vexatórias para a dignidade do País, como era a da fiscalização por funcionários estrangeiros das nossas receitas alfandegárias. Foi só então que Salazar aceitou intervir como médico chamado de urgência junto de um doente grave, conforme já atrás me exprimi...»
 -  Cabral de Moncada

Reparem  como aquela malta era tacanha. Vejam lá bem que consideravam os empréstimos externos mediante condições fiscalizantes como vexatórias para a dignidade do País! E tudo faziam para evitá-los, os pobres de espírito.
Felizmente, essa gente rústica já pertence ao passado.Agora, benza-nos o deus-mercado, manda-se vir uma Troika com o mesmo à vontade (e quiçá, gulodice) de quem está refastelado, à mesa da marisqueira, a mandar vir uma imperial e um pires de tremoços. Em menos de quarenta anos, já despachámos três e a eructação concomitante seguramente preuncia que não vamos ficar por aqui. Aliás, lembro-me bem (e posso desfiar aqui um rol de citações, se alguém duvidar), ainda o último a chamá-la hesitava e zanzava meio atordoado com ratings (e sabe Deus que angústias financeiras) e já toda a oposição em coro reclamava em altos bravos: "manda vir a Troika, pá! Já cá devia estar há meses! Estamos aqui cheios de sede, ó caramelo!... E Austeridade só da estrangeira, pá, nada de mixórdias nacionais!..."
Depois, chegada a dose, na bandeja do garçon, com que expediente e zelo negociaram aquilo! A troika interna e a troika externa... O acordo se não foi instantâneo, andou lá perto. Nada vexatório, por sinal. Porreiro até. A troika externa ditou, a interna assinou - sim, sim, 70 biliões, óptimo pá, onde é que a gente assina? - e os otários do costume que aguentem. Que sirvam à mesa.  Assim é que é democrático, digo, socialista, social-democrático, popular-democrático. Dinheiro para nós, clister económico para eles. Tudo a bem da Santa Finança. E em matéria de esfíncter, o Zé Povinho transforma-se no Homem-Elástico.
Vexame? O vexame é só para simplórios que ainda não descobriram as gratificações do vício. Depois, tal qual a função faz o órgão, o órgão apura a função e ambos, em perfeita sincronia, do vício fazem virtude.

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